BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Suspeitas de favorecimento a mineradoras por integrantes do Governo de Minas Gerais, comandado por Romeu Zema (Novo), provocaram uma crise interna e iniciaram uma corrida pela revisão das autorizações concedidas às empresas.
Os problemas, que acabaram chegando ao Ministério Público, envolvem acusações de atropelo de procedimentos e acobertamento de irregularidades para a manutenção de permissões de operação na região da Serra do Curral, um dos símbolos de Belo Horizonte.
Também há indícios de que as empresas tinham vínculos com pessoas que integram o Governo de Minas ou que são políticos aliados. Duas mineradoras estão na mira dessas revisões, a Gute Sicht e a Fleurs Global Mineração.
Ambas conseguiram permissões para operar no local por meio de instrumentos provisórios firmados com o governo mineiro, chamados TAC (termo de ajustamento de conduta), até que seja feito o licenciamento ambiental definitivo.
A Serra do Curral é uma área rica em espécies vegetais e animais e em minério de ferro. A capital mineira cresceu aos seus pés. Parte dela está sob proteção devido à criação de reservas como o parque das Mangabeiras e o parque da Serra do Curral. Ainda há, porém, áreas sem essa proteção, que acabam virando alvo das mineradoras.
Em junho, o então superintendente regional do Meio Ambiente, Charles Soares de Souza, determinou o cancelamento de um auto de infração, com multa de mais de R$ 100 mil, contra a Gute Sicht. Esse auto impediria um aditivo ao TAC da empresa.
Quando o episódio começou a vazar para a imprensa e para órgãos de investigação, em setembro, Charles foi removido do cargo e o auto de infração, restaurado.
O seu substituto, Daniel dos Santos Gonçalves, se antecipou a uma nova crise e pediu, em relatório interno obtido pela Folha, a revogação do TAC de outra mineradora, a Fleurs Global, sob o argumento de "que ampara a regularização precária do empreendimento" e de que havia "graves e subsequentes infrações perpetradas".
No relatório, ele expõe o "histórico negativo da empresa" na Serra do Curral. Em 2018, por exemplo, foram encontradas supressão irregular de área ambiental e até "informações falsas e a efetivação de outras atividades altamente impactantes sem anuência prévia do órgão ambiental".
As infrações e intervenções irregulares continuaram em 2019, 2020 e 2021. Mesmo assim, o governo firmou um novo TAC, neste ano, com a Fleurs.
Gonçalves recomenda que o TAC deve ser revogado e o processo para regularizar a Fleurs deve caminhar "pela via do licenciamento ambiental" -isso, porém, ainda não aconteceu. Procurada, a Fleurs Global não retornou o contato da reportagem.
A Semad (Secretaria de Meio Ambiente) de Minas Gerais afirma que a secretária da pasta, Marília Melo, determinou a revisão de "todos os atos autorizativos relacionados à mineração na Serra do Curral".
"Até a presente data, só foi concluída a reavaliação do TAC celebrado referente ao empreendimento Gute Sicht, que culminou no cancelamento do 2º Termo Aditivo e restauração de Auto de Infração anteriormente cancelado", diz a nota da Semad.
"Se ao final da revisão dos atos emitidos para o empreendimento Fleurs Global Mineração a equipe concluir pela necessidade de revisão, as medidas adequadas também serão adotadas."
Os problemas que levaram à interdição da operação da Gute Sicht foram uma das principais críticas da oposição ao governo Zema durante as eleições. No entanto, ele acabou reeleito no primeiro turno.
Charles Souza, o superintendente que determinou o cancelamento do auto de infração, já havia prestado serviço no passado para a Fleurs Global -a Fleurs e a Gute já tiveram sócio em comum.
Como a Folha revelou, a Gute Sicht acumula R$ 6,5 milhões em multas ambientais por funcionamento irregular. As penalidades foram aplicadas pela prefeitura porque a empresa continuou extraindo minério de ferro na região mesmo após ser interditada pelo município, em 20 de maio deste ano.
Procurada pela reportagem à época do cancelamento do TAC, a Gute Sicht afirmou que "realiza as suas atividades com todas as autorizações dos órgãos responsáveis, encontrando-se o empreendimento em absoluta conformidade com a legislação ambiental e minerária".
Disse também que já prestou os esclarecimentos a respeito das infrações aos órgãos competentes. Afirmou, ainda, que houve uma desmate em uma área "em razão do volume de chuvas histórico" e que "foi preciso complementar o sistema de drenagem da mina".
Em nota, o governo de Minas Gerais afirma que Charles Soares de Souza foi convidado a ocupar o cargo de superintendente "pelos conhecimentos técnicos apresentados". Segundo o órgão, "no currículo apresentado, quando da nomeação, não constava nenhuma relação" com a Fleurs.
"A Semad registra ainda que não há nenhuma decisão do ex-servidor em processos de regularização do empreendimento Fleurs Global Mineração. O servidor foi exonerado do cargo de superintendente conforme ato publicado em 20/9/2022."
O órgão disse que a determinação para anular o auto de infração aconteceu porque "o servidor alegou à época, nos autos do processo administrativo, que havia dúvidas sobre os fatos que motivaram a lavratura do auto de infração, uma vez que o empreendedor apresentou documentações que atestariam a regularidade da ação".
Também procurado, Charles Soares de Souza afirma que, antes de ser nomeado superintendente, não tomou decisão em nenhum processo existente no órgão.
"Houve cancelamento de um auto de infração por falta de informações concretas sobre fatos apresentados e por estas questões estarem sendo discutidas em âmbito judicial", disse ele.
"A renovação do TAC se deu mediante análise técnica, com comprovação do cumprimento das condicionantes impostas ao empreendedor."
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