SHARM EL-SHEIKH, EGITO (FOLHAPRESS) - Em seu primeiro discurso internacional desde a eleição, Lula (PT) cobrou na COP27, conferência do clima da ONU, nesta quarta (16), uma "nova governança global" e mais relações multilaterais para combater a crise climática. O presidente eleito enfatizou que o tema terá papel de destaque no seu próximo governo.

O petista pediu ações concretas dos países contra as mudanças no clima e citou promessas não cumpridas por nações ricas.

O assunto "terá o mais alto perfil na estrutura do meu próximo governo", disse ele, que criticou o desmonte na área ambiental na gestão de Jair Bolsonaro (PL). "Não há segurança climática para o mundo sem a Amazônia protegida."

Para Lula, "precisamos de mais empatia e mais confiança entre os povos". "Superar e ir além dos interesses nacionais imediatos, para ser capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional que reflita necessidades para o presente e futuro", afirmou.

O discurso em espaço das Nações Unidas, em Sharm el-Sheikh, no Egito, ocorre após ele anunciar pela manhã, em evento com governadores da Amazônia Legal, que pedirá à ONU para que o Brasil seja o anfitrião da COP em 2025. O desejo foi repetido na fala nesta tarde.

O pronunciamento começou por volta das 17h30 (hora local, 12h30 do horário de Brasília). Ao encerrá-lo, cerca de meia hora depois, disse que o mundo pode esperar um Lula "muito mais cobrador" de agora em diante.

A sala em que o discurso foi proferido lotou quase uma hora antes de o evento começar. Para comportar mais pessoas, uma sala adicional foi disponibilizada com a transmissão.

Apoiadores cantaram por vezes "O Brasil voltou, o Brasil voltou" em pausas do discurso ?uma referência a uma das primeiras colocações de Lula nesta tarde.

"Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos ?no combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação do meio ambiente", afirmou.

"Não por acaso, a frase que mais tenho ouvido dos líderes de diferentes países é a seguinte: 'O mundo sente saudade do Brasil'. Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo", completou.

A fala se assemelha ao tom das conversas a portas fechadas que Lula manteve com enviados do clima de China e EUA nesta terça (15). A reportagem apurou que, em ambas, o presidente eleito disse que o Brasil como mediador do mundo está de volta, citando a Guerra da Ucrânia.

PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

No discurso nesta quarta, o petista chamou a atenção dos países ricos, que, em 2009, prometeram mobilizar US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para ajudar os menos desenvolvidos a enfrentarem a crise climática ?promessa que não foi cumprida até hoje.

"Precisamos discutir com os países ricos algumas decisões que não saem do papel", disse. "Eu não sei quantos representantes de países ricos tem aqui, mas eu quero dizer que a minha volta também é para cobrar aquilo que foi prometido."

A crise climática, definiu, é "um problema criado em grande medida pelos países mais ricos" e coloca o planeta em uma "corrida rumo ao abismo". Metáforas semelhantes para expressar a urgência da questão têm sido usadas pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

Durante a COP27, Guterres disse que o mundo está "numa estrada para o inferno climático com o pé ainda no acelerador".

Lula repetiu duas vezes: "Ninguém está a salvo".

Lula também engrossou o coro dos países mais vulneráveis, como ilhas, pedindo urgência na criação de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados pela mudança do clima ?ou seja, para que esses países sejam indenizados por prejuízos que não podem mais ser remediados.

O tema de perdas e danos entrou na agenda oficial de negociações pela primeira nesta COP, mas as discussões não devem chegar a decisões concretas agora. Apesar da pressão dos mais pobres, as nações desenvolvidas têm empurrado para 2024 a resolução desse ponto.

O presidente eleito anunciou ainda que pretende criar uma cúpula com os integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica ?documento de 1978 assinado por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A proposta é que os países possam, pela primeira vez, "discutir de forma soberana a promoção do desenvolvimento integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática".

NOVA GOVERNANÇA

Ao defender o que chamou de uma "nova governança global", Lula disse que é preciso um fórum multilateral que faça as ações contra as mudanças climáticas não serem atrasadas.

"Quando nós tomamos uma decisão, e essa decisão é levada para o Estado nacional, normalmente o Estado nacional não concorda, os empresários não aceitam, os deputados e senadores não votam e não aprova. Então aquilo que nós aprovamos aqui vai sendo um amontoado de papel que vai ficando dentro da gaveta, depois troca-se de gaveta, mas continua sem funcionamento", afirmou.

"Se tem uma coisa em que nós precisamos de uma governança global é a questão climática. Temos que ter um fórum multilateral com poder de decisão definitiva para que seja aplicado. Se não o tempo passa, a gente morre e as coisas não são cumpridas nesse mundo."

Lula pediu ainda a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU, além do fim da possibilidade de veto de decisões.

O petista também falou que trabalhará junto com Indonésia e República Democrática do Congo ?outros grandes países florestais? contra a destruição de florestas tropicais. Durante a COP27, um acordo entre os três foi firmado.

DESMATAMENTO ZERO E AGRO SUSTENTÁVEL

Como já havia dito logo após a sua vitória na eleição, Lula afirmou que não medirá esforços para alcançar o desmatamento zero no Brasil e o fim da degradação de biomas até 2030. Tal compromisso foi assumido pelo Brasil na COP26, em Glasgow, no Reino Unido, na Declaração de Glasgow sobre Florestas.

Ao mencionar esse objetivo, Lula citou o agronegócio brasileiro.

"A produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado", disse, citando que é possível ter aumento de renda para produtores conciliada à proteção da biodiversidade e à regeneração de solos.

O petista também citou a imensa área de terras degradadas que o país tem ?por isso, destacou, "não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo".

"Estou certo de que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável", afirmou. "No Brasil há vários exemplos exitosos de agroflorestas."

Nas duas primeiras fileiras do auditório onde ocorreu o discurso se sentaram, entre outros, os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Kátia Abreu (PP-TO) e Fabiano Contarato (PT-ES), além do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e de Marina Silva (Rede-SP), deputada federal eleita e ex-ministra do Meio Ambiente (principal nome cotado para o cargo no novo governo).

Desde a manhã, a agenda de Lula na COP27 deixou os espaços da conferência lotados, com apoiadores cantando músicas da campanha enquanto esperavam os eventos começarem.


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