BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-ministro da Saúde e médico especialista em saúde coletiva Arthur Chioro, que faz parte da coordenação da equipe da Saúde no governo de transição, disse que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será pautada por evidências científicas e que haverá uma ofensiva contra o negacionismo.

"Não tenha dúvida que, se vier recomendação de instituir uma quinta dose [de vacina contra a Covid] a partir de uma certa faixa etária, desde que tenha evidência científica, ela vai ser cumprida. Não passa na cabeça da gente deixar de introduzir uma vacina, uma dose, fazer um reforço", disse à Folha de S.Paulo.

Chioro afirma que uma campanha de vacinação robusta, não apenas para a Covid, deve ser prioridade já no início do governo.

O ex-ministro da Saúde faz parte da equipe que será encarregada de elaborar um relatório com recomendações para que o ministro escolhido por Lula possa tomar as medidas iniciais na área. O médico aponta que também há outras prioridades, como acabar com as filas, evitar o desabastecimento de medicamentos e investir em saúde mental.

PERGUNTA - Quais as prioridades da equipe da Saúde?

ARTHUR CHIORO - Produzir diagnóstico e fazer recomendações mais emergenciais. Nós temos uma preocupação imensa com pandemia, que não acabou, PNI [Programa Nacional de Imunizações], assistência farmacêutica, e insumos para não haver descontinuidade no programa de Aids e na Farmácia Popular. A saúde da mulher nos preocupa muito, as filas que envolvem atendimentos da atenção básica e especializada também. Estamos desde o primeiro momento buscando respostas para os transtornos mentais.

Como o grupo enxerga a Covid hoje? É preciso continuar com a vacinação?

A. C. - Vou responder como médico e pesquisador da área da saúde coletiva. Apesar de o ministro [Marcelo Queiroga] dizer que a pandemia acabou em ato formal em abril, a doença não terminou. O aumento do número de casos e de internações mostra a gravidade da situação ou o nível de atenção que precisamos ter com a Covid. Diria mais. Chama a responsabilidade em relação à intensificação da cobertura vacinal, das orientações que dizem respeito ao uso de máscara do álcool em gel, dos atos de higiene particularmente para as pessoas idosas, com comorbidades e que frequentam lugares que produzem aglomeração.

A transição vai fazer recomendações para a vacinação?

A. C. - A partir do dia 1º de janeiro nós vamos ser orientados pela ciência, você não tenha dúvida que se vier recomendação de instituir uma quinta dose a partir de uma certa faixa etária, desde que tenha evidência científica, ela vai ser cumprida. Não passa na cabeça da gente deixar de introduzir uma vacina, uma dose, fazer um reforço. Eu acredito que quem venha a assumir a pasta a partir de janeiro vai ter exatamente essa postura.

Os estados hoje trabalham com calendário diferentes de vacinação. Isso é um problema?

A. C. - Isso é fruto da descoordenação que virou [Ministério da Saúde], retomar essa coordenação é fundamental. A gente nunca imaginou trabalhar com um calendário de vacinação diferente, justamente para evitar que faltassem doses, que uns recebessem e outros não. Hoje é difícil porque é um ministério que não tem credibilidade, não escuta. O novo ministro terá que fazer um chamamento de todas as forças para ter uma ação comum.

Não é possível imaginar que o Ministério da Saúde tenha que ser trocado para que o governo atual faça o que tenha que fazer. Estender a vacinação da terceira dose para os adultos, garantir a vacinação para todos os bebês a partir de 6 meses, garantir a intensificação da vacinação com a Coronavac para crianças com mais 3 anos, garantir a terceira dose para as crianças com mais de 10 anos. A gente tem cobertura vacinal baixa para poliomielite, sarampo. Algumas questões são básicas, não precisaria de nenhum grupo de transição para fazer recomendações, mas nós faremos.

Como seria esse chamamento?

A. C. - Vamos fazer uma grande campanha de vacinação logo nas primeiras semanas [de governo]. Aí é um chamamento mesmo, convocar a sociedade, meios de comunicação, personalidades. O presidente eleito Lula e [o vice-presidente eleito] Geraldo Alckmin irão elevar o braço, mostrar a carteirinha de vacinação, os netos e os bisnetos, porque isso pesa muito.

Nós vamos fazer uma ofensiva contra o negacionista, é preciso fazer um enfrentamento contra as fake news. E é claro que há outros mecanismos muito eficientes, como voltar a ter a condicionalidade do Bolsa Família, [que exige] a matrícula das crianças nas creches, nas escolas [regra que foi suspensa a partir da pandemia]. São condições que foram muito exitosas, vários estudos mostram que o sucesso do Brasil vem por essa articulação de políticas, esse esforço de chegar principalmente nas pessoas que têm menos instrução e acesso à informação.

Há o plano de voltar com o programa Mais Médicos?

A. C. - Claro que com outra reconfiguração, não como o de 2013. O número de médicos formados no Brasil é muito maior hoje. Acredito que as vagas sejam ocupadas [por brasileiros] desde que haja incentivo adequado e consiga mobilizar o interesse dos médicos. O tema precisa ser bem discutido com entidades médicas, médicos, conselhos, Conass [Conselho Nacional de Secretários de Saúde], Conasems [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde]. Haverá muito debate, isso é importante.

Acredito que não vai ser necessário [chamar profissionais estrangeiros]. A intenção é melhorar o processo de revalidação do diploma para os médicos brasileiros no exterior. O Revalida [processo para quem se formou no exterior e deseja atuar no Brasil] será feito com mais frequência.

Ainda há locais com poucos médicos. O senhor acha que a telessaúde vai ganhar força no próximo governo?

A. C. - Não só no Brasil, mas em todos os sistemas de saúde, seja com teleconsulta, teleconsultoria feita pela equipe local, telediagnóstico, telegestão, teleorientação para usuários, telemonitoramento de doentes crônicos para saber, por exemplo, se a ferida do vovô está sendo tratada de forma adequada. Há um potencial imenso e deve haver grande investimento. É um caminho sem volta que vai exigir regulamentação, aprimoramento das normas, questões éticas. Não é tão simples assim.

Zerar a fila do SUS é possível já no início do governo?

A. C. - A gente só vai conseguir responder isso quando completar o diagnóstico, que deve vir a partir das conversas com ministério, Conass e Conasems. Não há em nenhum lugar do Brasil uma coordenação de dados referentes às filas. As realidades são diferentes de uma região de saúde para outra, inclusive das filas. O perfil da fila no interior do Maranhão é diferente [daquela] do interior de São Paulo, porque as necessidades são muito distintas. A tendência é abrir uma ação [que leve em conta] realidades regionais e responder com uma forte coordenação nacional.

O senhor mencionou a saúde mental. É algo que precisa de recursos?

A. C. - Sim, por vários motivos. Fundamentalmente porque o impacto sobre os transtornos mentais leves, moderados, graves, uso abusivo de álcool e drogas e tentativa de suicídio a partir da pandemia tiveram grande crescimento. Todos os profissionais de saúde que estão no serviço público e no serviço privado identificam, os consultórios estão cheios, há filas de espera nas unidades de saúde. A rede de atenção psicossocial vai precisar ser priorizada para que a gente possa cuidar da saúde mental das pessoas. A saúde mental ganha um espaço central por causa da importância do tema e da prevalência.

RAIO-X

Arthur Chioro, 58

Foi ministro da Saúde da então presidente Dilma Rousseff entre 2014 e 2015. É professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em saúde coletiva. Integra o grupo de transição de governo na área da Saúde.


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