FOLHAPRESS - Apesar das muitas restrições à organização de protestos na COP 27 (conferência da ONU para mudança do clima), Tasneem Essop, que dirige a CAN (Climate Action Network), maior rede climática de organizações da sociedade civil do mundo, participou de vários deles, circunscritos a um espaço específico dentro do local da conferência.
Em uma das marchas climáticas, ela questionou: "Quando pedimos financiamento para perdas e danos causados, eles [os países desenvolvidos] dizem que não têm dinheiro. Mentira. Por quê? Porque eles acham dinheiro quando é para financiar a indústria de combustíveis fósseis e, inclusive, usam o nosso dinheiro para subsidiá-la".
A compensação financeira para os países vulneráveis, pela primeira vez em discussão na agenda oficial de uma conferência climática, é defendida pela ativista como a pauta mais importante da COP27, assunto que não trata apenas dos prejuízos materiais, mas também das vidas, lares e culturas destruídos em decorrência da crise climática.
De acordo com Essop, os Estados Unidos têm sido nesta conferência, e já são há um bom bom tempo, o principal país a bloquear os avanços das discussões sobre financiamento climático para as perdas e danos. "Foi por causa deles que o tema foi parar em uma nota de rodapé no Acordo de Paris."
Ela afirma também que precisaremos de uma outra escala de investimentos para o financiamento de longo prazo, que deve incluir as necessidades dos países em desenvolvimento.
Em entrevista à Folha de S.Paulo na COP27, a ativista falou sobre diferentes aspectos das negociações climáticas e a necessidade de a sociedade civil manter a pressão sobre a falta de ambição dos líderes globais.
Após a conferência climática, Essop defende que os esforços sejam voltados às ações dos governos, incluindo o fortalecimento das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês), como no caso do Brasil.
PERGUNTA - Muitos países vieram à conferência com compromissos climáticos muito aquém do que precisamos para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris. O que você poderia dizer sobre essas discussões?
TASNEEM ESSOP - Como sociedade civil, queremos ver os compromissos climáticos incluindo a questão da eliminação gradual do combustível fóssil.
Não dá para falar em redução de emissões sem que isso seja incorporado. Os países em desenvolvimento também querem ver conexão entre a questão da mitigação dos gases de efeito estufa e todas as outras, como o financiamento para as perdas e danos e adaptação à crise climática.
P.- Sobre perdas e danos, tema que pela primeira vez está sendo discutido como parte da agenda oficial de uma COP, quais são as expectativas da CAN e quais países têm impedido avanços?
TE- Esperamos que uma linha de financiamento para perdas e danos seja acordada na COP 27.
A questão como será operacionalizada pode vir ano que vem. O G77 (grupo de mais de 130 países em desenvolvimento) e a China apresentaram uma proposta que destaca o respeito pelos princípios da equidade e das responsabilidades comuns e sugere a criação de um comitê de transição para definir os objetivos, princípios e modalidades operacionais do fundo até a COP28.
O principal país a bloquear avanços continua sendo os Estados Unidos. Os EUA sempre bloquearam, e é por isso que no Acordo de Paris esse tema foi parar numa nota de rodapé. A principal preocupação deles é com os pedidos de compensação.
P.- Poderia falar um pouco mais sobre isso?
TE- Os países desenvolvidos são os que historicamente emitem mais gases de efeito estufa, mas são as nações menos responsáveis que estão sofrendo os piores impactos da crise climática.
O financiamento para perdas e danos é uma reparação dessa injustiça. Os EUA não querem reconhecer isso como reparação e não querem ser responsabilizados pelos impactos, pois temem que isso irá desencadear uma série de ações legais.
P.- Temos mais alguma novidade sobre o financiamento climático?
Infelizmente, o financiamento não está se movendo. As nações ricas ainda não entregaram seu compromisso de US$ 100 bilhões/ano. Esse é um compromisso de mais de uma década, ainda não cumprido.
TE- No ano passado, em Glasgow, eles pediram desculpas e disseram que iriam mobilizar esses recursos até 2025, mas não houve nenhum movimento nesse sentido neste ano.
Além disso, o financiamento de longo prazo --pós-2025 e ainda a ser definido--, precisa ter uma abordagem baseada nas necessidades dos países em desenvolvimento. Nesse caso, estamos falando em trilhões, não bilhões, que precisam ser entregues.
Um comitê da UNFCCC [sigla em inglês para a convenção-quadro da ONU sobre mudanças climáticas] fez uma avaliação inicial e conservadora dessas necessidades, com base nos NDCs [compromissos nacionais determinados) que foram apresentados. Mas nem todos os países incluíram perdas e danos, ou conseguiram estimar os custos dessas perdas. Mesmo com todas essas limitações, o número já chegou aos trilhões.
P.- Qual a proposta da CAN para a eliminação equitativa dos combustíveis fósseis e qual é a probabilidade de avançarmos nessa discussão por aqui?
TE- Embora tenham adotado uma linguagem fraca na COP26, em Glasgow, ficamos muito felizes que 23 países tenham assumido a redução gradual de carvão no ano passado.
Porém queremos mais, queremos uma linguagem que reflita não apenas a redução do carvão, mas sua eliminação gradual e que também inclua petróleo e gás.
Sabemos que os países industrializados foram dependentes dos combustíveis fósseis para se desenvolver, e são eles que precisam agir mais rápido. Mas o que eles estão fazendo agora, por causa da guerra na Ucrânia e da chamada crise energética? Muitos estão recuando nessa questão.
O Reino Unido tem emitido novas licenças de petróleo e gás e diversos países da União Europeia (UE) estão investindo em gás na África (e a União Africana tem pressionado por mais investimentos em gás em seus países). Uma vez que você começa a investir nessa infraestrutura, quando você para? Nós sabemos que precisamos parar há muito tempo.
P.- O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, defende que os países ricos paguem pelas necessidades dos países em desenvolvimento e, no caso do Brasil, pela proteção da floresta. Mas defende também o direito de manter o desmatamento legal [hoje permitido pelo Código Florestal]. O que você acha disso?
TE- Há muitas vozes nos países em desenvolvimento que estão frustradas porque as nações ricas se desenvolveram às custas dos seus países e defendem o direito de poluir, de derrubar florestas, como proposta de desenvolvimento Não é isso que estamos defendendo.
Você não pode permitir mais desmatamento e as nações ricas devem fornecer o apoio necessário para o desenvolvimento socioeconômico, a economia da floresta e o reflorestamento da região, por exemplo.
P.- Temos alguns acordos de cooperação internacional em cursos no Brasil, mas eles não têm resultado em redução significativa de desmatamento ainda. Como poderíamos aprimorá-los?
TE- Essas parcerias precisam ser tratadas como contribuições para o esforço nacional de redução de emissões e devem contar com uma estrutura de accountability, sob a supervisão dos governos nacionais e com a participação da sociedade civil.
P.- Você falou anteriormente sobre transição energética justa. O que teria a dizer sobre como considerá-la no Brasil, onde, no momento, temos produção recorde de petróleo e 196 termelétricas a gás em operação, por exemplo?
TE- Nestes espaços internacionais, muitas nações estão começando a falar sobre transição justa. Mas eles estão, na verdade, falando sobre transição energética. O conceito vem sendo mal utilizado, o que é lamentável.
Se o Brasil for conduzir um processo de transição justa, tem que ser um processo que inclua os trabalhadores, as comunidades locais, os povos indígenas, as mulheres, ou seja, envolver toda a sociedade.
O país deve decidir coletivamente onde quer estar até 2050, o que é uma proposta de transformação radical e que demanda uma mudança profunda da nossa visão de futuro. Eu sei que o presidente Lula tem o seu coração e o seu passado muito ligados aos trabalhadores, e certamente vai considerá-los.
P.- O que merece mais atenção depois da COP27?
TE- Precisamos fortalecer as ações dos governos, incluindo o fortalecimento das contribuições nacionalmente determinadas.
P.- Ou seja, precisamos de uma nova NDC no Brasil?
TE- Sim, sem dúvida, e Lula precisa sinalizar ao mundo que o Brasil está de volta e empenhado em enfrentar a emergência climática, e que as vidas das pessoas que estão sofrendo em todo o mundo também devem ser consideradas.
Esperamos que os líderes globais se inspirem em Lula, que é e sempre foi uma liderança importante, e esperamos que ele se torne um defensor do combate à crise climática.
RAIO X
Tasneem Essop, 60
É diretora executiva da CAN (Climate Action Network), maior rede climática do mundo, composta por mais de 1.500 organizações da sociedade civil com atuação em mais de 130 países. Cumpre seu segundo mandato como integrante da Comissão Nacional de Planejamento da África do Sul, responsável por liderar o trabalho sobre mudanças climáticas e transição justa.
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