SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Entidades e pesquisadores do Piauí lançaram, no último dia 27, uma carta aberta contra a autorização do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para que seja instalada uma fazenda de grãos irrigados na região do corredor ecológico entre os parques nacionais Serra da Capivara e Serra das Confusões, no interior do estado.
A região é conhecida como berço do homem americano, por ser patrimônio da humanidade e ter o maior número de sítios arqueológicos do Brasil -são ao menos mil, com inscrições rupestres de 10 mil anos.
O ICMBio afirmou ter aprovado a instalação de fazenda de grãos com base nos estudos realizados pelo órgão licenciador.
A fazenda tem 12,9 mil hectares no município de Brejo do Piauí, equivalente a 18 mil campos de futebol, e fica dentro do corredor ecológico.
O documento é assinado por 12 pesquisadores e instituições, entre as quais a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), criada pela arqueóloga Niède Guidon.
A carta afirma que o impacto do empreendimento da Apesa Agropastoril Piauiense S.A é "devastador". Nela, os pesquisadores dizem que a instalação da fazenda vai afetar sítios arqueológicos e plantas nativas, que haverá perdas para apicultura e para o solo e que comprometerá o abastecimento de água e o turismo, além de possíveis consequências para o ecossistema e para a reserva da biosfera da caatinga.
Segundo o documento, o corredor ecológico Capivara-Confusões é fundamental para a sobrevivência tanto de animais, como a onça-pintada e o tatu-bola, quanto de plantas.
O corredor ecológico Capivara-Confusões foi o primeiro criado no país em 2005 pelo Ministério do Meio Ambiente. A finalidade é garantir que fauna e flora possam se manter conectados entre os dois parques. "O corredor permite o trânsito dos animais entre os parques, especialmente durante a seca", diz a carta.
No dia 26 de outubro deste ano, o presidente do ICMBio, coronel Marcos de Castro Simanovic, autorizou o andamento do licenciamento da fazenda. A Fumdham acionou o Ministério Público Federal para barrar o empreendimento.
Para o paleontólogo Juan Cisneros, professor da Universidade Federal do Piauí, haverá também impactos irreversíveis para pesquisas sobre o período glacial. Segundo ele, a menos de 10 km do empreendimento, em Brejo do Piauí e Canto do Buriti, há marcas de geleiras de 360 milhões de ano.
"Nesta área tem o melhor sítio com evidência de glaciação em todo o Nordeste. São evidências interessantes que nos ajudam a contar a história na Terra. A gente pode perder informações se um empreendimento desse tipo se instalar na região, porque essa região nem foi pesquisada direito", disse.
Segundo Márcia Chame, pesquisadora da Fiocruz e da Fumdham, estudos feitos pela fundação apontam prejuízos múltiplos para a fauna e flora da região.
"A carta é para as pessoas perceberem que não é um impacto único, todo mundo perde. Uma vez feito o dano, ele é irreversível. Não existe medida mitigatória que poderá minimizar os impactos, além do risco de incêndios", afirma.
O documento já tem mais de 27 mil assinaturas, entre as quais a de Guidon.
Na carta, os pesquisadores afirmam que existe área da fazenda que fica a cerca de 110 metros do Parque Nacional Serra da Capivara, podendo comprometer as inscrições rupestres.
Em nota, o ICMBio disse que aprovou o empreendimento com base nos estudos realizados pelo órgão licenciador, que é o governo do estado.
"Importante esclarecer que o ICMBio não contrariou o seu corpo técnico, uma vez que o setor analisou todos os pareceres internos e concluiu pela anuência. Além disso, o ICMBio ressalta que a área em questão não se trata de Unidade de Conservação Federal, mas de corredor ecológico instituído legalmente para conectar as unidades administradas pelo Instituto, cabendo ao Estado o licenciamento ambiental."
A Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí declarou que, após o aval do ICMBio, os técnicos da pasta analisam os estudos para dar novo parecer. Uma audiência publica chegou a ser marcada, mas acabou cancelada por falta de publicação atualizada do projeto e de um diagnóstico sobre os impactos na apicultura. Uma nova audiência será agendada para o próximo ano.
A Apesa Agropastorial Piauiense S.A afirmou à Folha que cumpre todas as exigências da legislação ambiental e que o projeto está embasado em estudos técnicos.
Segundo a empresa, dos 12,9 mil hectares, a área agricultável é de 6.000 hectares, com plantio de 500 hectares por ano, o que levará 12 anos para ser totalmente implantado. Cerca de 3.800 hectares foram destinados à reserva legal.
De acordo com a Apesa, foram ouvidas a população da região e autoridades e o projeto foi adaptado para agricultura irrigada associando milho mais hortifruticultura.
A empresa disse ainda que o empreendimento fica a cerca de 7,68 km de distância do limite do Parque Serra da Capivara e que segue todas as condições impostas pelos órgãos competentes.
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