LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - A União Europeia aprovou, na manhã desta terça-feira (6), uma nova regulamentação para combater a importação de produtos que contribuam para o desmatamento. Ficou estabelecido que o mercado comum europeu irá rejeitar a entrada de uma série de commodities ?carne, soja, madeira, borracha, cacau, café e óleo de palma (dendê)? provenientes de áreas que tenham sido desmatadas, ainda que com permissão legal, depois de 31 de dezembro de 2020.
A medida foi comemorada por ambientalistas de diversos países, mas deve ter especial impacto no Brasil, uma vez que a Europa é o segundo maior mercado consumidor das commodities brasileiras.
O banimento inclui também artigos derivados daqueles na lista, como papel, chocolate e couro, e terá seus itens revistos e atualizados com regularidade, "levando em consideração novos dados, como mudanças nos padrões de desmatamento".
Além de fornecerem informações detalhadas sobre a geolocalização das áreas de produção, empresas interessadas em exportar para a União Europeia também precisarão documentar que todo o processo foi feito de acordo com a legislação do país de origem, incluindo em relação à proteção dos direitos de povos indígenas.
Embora destaque que o texto tenha lacunas importantes, a legislação foi classificada como "um marco histórico para as florestas" e para a Amazônia pelo Observatório do Clima, entidade que reúne 77 organizações ligadas à preservação do meio ambiente.
"O que essa lei demonstra é que o cerco para a questão do desmatamento está se fechando mundialmente", avalia o secretário-executivo, Marcio Astrini.
Ainda que a regulamentação ofereça proteção à Amazônia, à mata atlântica e ao chaco, os biomas tipicamente florestais da América do Sul, ambientalistas criticaram a exclusão do cerrado do acordo.
Segundo maior bioma do Brasil, com cerca de 204 milhões de hectares, o cerrado apresentou um crescimento 8% na área desmatada em 2021. A exclusão das novas regras europeias poderia fomentar ainda mais a perda de cobertura florestal.
"Mais uma vez o cerrado é colocado como bioma de sacrifício. Os europeus deram uma sinalização importante para o mundo, mas perderam a oportunidade de fazer uma lei efetiva. O cerrado é a principal fonte de desmatamento importado pela Europa hoje. Para nós, aumenta o risco do esgarçamento dos recursos hídricos, crise de abastecimento d?água e energética para os maiores centros urbanos do país, e o acirramento da violência no campo", diz Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).
"A normativa deve servir de anteparo, um tipo de salvaguarda ambiental, para destravar o acordo UE-Mercosul. E o resultado disso para o cerrado será uma maior aceleração do desmatamento e violação de direitos de povos e comunidades tradicionais", considera Eidt.
Até um ano após a entrada em vigor formal das novas regras, está prevista uma revisão do texto que pode incluir o cerrado na lista de biomas previsto na legislação.
Para Márcio Astrini, do Observatório do Clima, a legislação europeia "é só o começo".
"O mesmo debate está sendo feito nos Estados Unidos, através de um projeto de lei. A China chegou a dizer que vai começar a estudar como vai tirar produtos que causam desmatamento da sua lista de importações. Isso quer dizer que os maiores mercados consumidores do mundo já estão tomando medidas contra o desmatamento."
O potencial de influência internacional da posição europeia, bem como a proximidade da COP15 (conferência da ONU para a biodiversidade), que acontece entre 7 e 19 de dezembro em Montreal (Canadá), também foi destacada pelo comissário do Meio Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevi?ius.
"Por meio deste acordo, na véspera da crucial conferência global para a proteção da biodiversidade em Montreal, a União Europeia está enviando um forte sinal ao resto do mundo de que está determinada a enfrentar o desmatamento global, que contribui maciçamente para a crise climática e a perda do nosso ambiente natural", disse, em nota, o comissário finlandês.
A decisão anunciada agora foi acordada por negociadores da Comissão Europeia, do Conselho Europeu (representação dos Estados-membros da UE) e do Parlamento Europeu, o chamado "triálogo". Antes de começar a valer, no entanto, a regulamentação precisa ser formalmente aprovada pelos eurodeputados e pelo Conselho.
Uma vez em vigor, os operadores e comerciantes terão 18 meses para se adequarem e implementarem as novas regas. Micro e pequenas empresas terão prazos maiores, entre outras medidas especiais.
Um dos pontos da legislação, segundo a Comissão Europeia, é garantir que a origem dos produtos possa ser rastreada de forma rigorosa, permitindo monitoramento de toda a cadeia de produção.
Para conseguir exportar seus artigos para a UE, as empresas precisarão fornecer auditorias detalhadas, conhecidas no mercado como "due dilligence", provando, simultaneamente, duas questões essenciais: que os produtos não são oriundos de áreas desmatadas após dezembro de 2020 e que estão em conformidade com todas as leis vigentes no país de origem.
Além disso, estão previstos mecanismos de rastreabilidade que envolvem até análises de DNA dos produtos exportados.
As autoridades europeias prometem trabalhar no apoio para que países e produtores consigam se adequar às novas regras, mas ainda não anunciaram detalhes concretos sobre o que será feito.
A Comissão Europeia criará ainda um sistema de classificação de risco de desmatamento para os países. As obrigações das empresas exportadoras e a intensidade do trabalho de fiscalização levará em conta essa avaliação.
Com desmatamento em alta nos últimos anos, o Brasil deve, a princípio, ser classificado como um país de risco elevado pelos europeus.
"O desesperador é que a gente passou quatro anos no Brasil incentivando o desmatamento. Enquanto o mundo vai caminhando numa direção, o Brasil perdeu quatro anos", afirmou Astrini.
"O novo governo vai ter de fazer o trabalho que não foi feito nesse último período, de diminuir essas taxas tão altas atuais de desmatamento. É possível fazer isso, mas agora passa a ser uma imposição legal, pelo menos para o bloco europeu, e provavelmente para outros países também", completou.
Até agora, o governo brasileiro não se manifestou sobre a decisão da União Europeia.
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