SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Desde a última semana, o Brasil tem uma nova instituição dedicada à pesquisa sobre oceanos. Com decreto presidencial assinado no dia 6, o Inpo (Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas) se tornou uma OS (organização social) vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com o objetivo de ampliar os estudos dessa área no país.
A entidade deve começar a funcionar ainda neste ano, e o seu nome, como já anunciam páginas do próprio ministério, deve mudar futuramente para Inmar (Instituto Nacional do Mar). Ela ficará instalada no parque tecnológico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), como um instituto privado, mas sem fins lucrativos.
Com quadro previsto de 17 funcionários e orçamento anual de R$ 10 milhões, o instituto é considerado enxuto. Especialistas em oceanos comemoram, porém, a criação de uma entidade -das seis OSs vinculadas atualmente ao ministério- que possa reunir os dados sobre pesquisa oceânica do país e, assim, direcionar trabalhos estratégicos. Hoje, pelo contrário, os estudos estão descentralizados.
"O Brasil tem que ter cada vez mais um protagonismo internacional em relação aos oceanos, porque nós temos uma costa muito longa e muitas atividades no mar", destaca Segen Farid Estefen, diretor-geral do Inpo e professor da UFRJ, que falou à Folha de S.Paulo sobre os planos para a nova instituição.
PERGUNTA - Como surgiu a demanda para a criação do Inpo?
SEGEN FARID ESTEFE - NO que sempre se sentiu é que o Brasil tinha muitas ações em relação ao mar, mas de uma forma não integrada do ponto de vista técnico-científico. Então a vinda desse instituto é no sentido de integrar essas ações e otimizar os recursos e os resultados que possam vir dessa integração maior.
O Inpo não vai fazer política de Estado em relação ao mar. Quem faz isso é o governo e o Parlamento. O que vamos fazer é dar subsídios, do ponto de vista científico, para que essas políticas públicas sejam embasadas na ciência e na tecnologia e possam ser implementadas.
P. - A ciência oceânica é uma temática global. Com a criação do instituto, o Brasil deve ficar mais inserido nessas discussões e ter protagonismo no debate?
SE - O grande ponto focal nos próximos anos e décadas vai ser o oceano, que é pouco entendido ainda. Os oceanos são influenciados pelas mudanças climáticas ao mesmo tempo que influenciam essas mudanças. É preciso entender o que está acontecendo localmente também e agregar esses conhecimentos do ponto de vista do Brasil.
Eu acho que o Brasil tem que ter cada vez mais um protagonismo internacional em relação aos oceanos, porque nós temos uma costa muito longa e muitas atividades no mar. Os números dizem que cerca de 20% do PIB brasileiro de certa forma têm relação com as atividades no mar. Isso representa muitos empregos, muitas atividades, e há grande potencial para aumentar ainda mais.
P. - No Brasil, temos instituições relevantes que pesquisam o oceano, como o Imar da Unifesp e o Instituto Oceanográfico da USP, por exemplo. Você enxerga alguma lacuna de atuação nesses institutos que será suprida pela nova OS?
SE - O que acontece é como nós estamos estruturados... O quadro previsto para o nosso instituto é de cerca de 17 profissionais. Ou seja, não temos condição de abraçar o mundo, nem o Brasil, nem mesmo os estados. Então vamos liderar uma rede de pesquisa, inovação e infraestrutura.
Essa rede visa a agregar todos os principais grupos de pesquisa e infraestrutura do Brasil. Essa é a diferença do Inpo em relação aos outros institutos do próprio MCTI. Nós não vamos no início sair instalando novos centros de pesquisa ou novos laboratórios. Nós queremos reforçar o que existe para fazer algo diferente e a mais do que se faz hoje.
O que se faz hoje está bem feito, esses grupos vão continuar a vida que eles têm. O que o Inpo quer é agregar esses núcleos de capacitação, com recursos adicionais que vamos poder levantar.
P. - Os especialistas brasileiros criticam a falta de monitoramento de diferentes parâmetros e indicadores na costa brasileira. Como o Inpo pretende solucionar essa questão?
SE - A observação oceânica hoje é realizada com muita dificuldade por meio de alguns projetos. Nós precisamos dar mais robustez a essas iniciativas.
Os grupos de observação contam com a ajuda decisiva da Marinha do Brasil, mas existem muitas dificuldades, inclusive da própria Marinha, que necessita de apoio para modernizar os navios oceanográficos e disponibilizá-los para a comunidade científica.
P. - Outra reclamação constante é que os dados gerados, por diferentes institutos do país, não estão disponíveis de forma integrada em um sistema nacional. Como superar essa demanda?
SE - Um dos nossos objetivos é desenvolver um sistema integrado de dados costeiros e oceânicos. Se nós não tivermos uma base de dados extremamente eficiente, modernizada e efetiva, com possibilidade de fazer previsões, não vamos avançar no campo científico.
Estamos propondo que um dos objetivos estratégicos é ter esse sistema integrado. Ele será implantado em três fases. A primeira delas é adquirir os dados, armazená-los e disponibilizá-los. Para isso, vamos fazer acordos tanto com instituições nacionais como internacionais. Uma delas, por exemplo, é o Banco de Dados Oceanográficos, gerido pela Marinha do Brasil.
O outro aspecto desse sistema é ter um grupo de previsão oceânica. Hoje nós temos técnicas de inteligência artificial e tecnologias que permitem fazer previsões com relativa precisão.
A terceira plataforma desse sistema é o que nós chamamos de plataforma de experimentação, que servirá para verificarmos se essas previsões baseadas nos nossos sistemas de dados de fato ocorreram, se concretizaram e como podem ser aperfeiçoadas.
P. - O Brasil precisa aperfeiçoar e ampliar os instrumentos capazes de realizar essas medições?
SE - Um segundo programa importantíssimo é o de inovação. Por exemplo, um programa nacional de instrumentação oceanográfica. O Brasil tem poucos instrumentos atuantes no seu mar, um número ínfimo de instrumentos medindo onda, correntes, salinidade e identificando e rastreando animais.
Nós temos que expandir isso, mas vamos ter que mapear a demanda e ver a possibilidade do desenvolvimento de instrumentos nacionais que possam ter custos mais competitivos e também um sistema de calibração e manutenção desses instrumentos.
P. - Olhando outras OSs do MCTI, o modelo do Inpo tem alguma semelhança com o da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial)?
SE - Pelo fato de não ter um laboratório próprio e trabalhar em rede com outros institutos e universidades... Tem alguma afinidade, sim. Inclusive com essa ideia de ter um corpo técnico-administrativo muito pequeno. No caso da Embrapii, há um aspecto industrial relevante. Ela monta os seus institutos dentro da ideia de dar competitividade a setores industriais. No caso do Inpo, nós temos uma contribuição um pouco diferente. Primeiro que o foco é definido e nós temos alguns objetivos macro que vamos buscar cumprir.
P. - A proposta de ser uma OS foi uma escolha?
SE - Quais as vantagens e desvantagens desse modelo em relação à administração pública direta? Isso sempre foi pensado como uma forma de otimizar os recursos despendidos e dar agilidade a esse instituto, para ele não ficar com todas as amarrações do Estado. O modelo de OS nos dá uma capacidade de resolver problemas com mais agilidade, como na contratação de pessoal.
Suponhamos que o Inpo vá participar de um grande projeto internacional sobre plástico no mar. Com isso, nós temos que ter agilidade para gerir esses recursos internacionais, contratar doutores com carteira assinada, não como funcionários públicos, e formar uma equipe com base na maior capacidade técnico-científica possível.
P. - A necessidade de captação constante de recursos será um desafio?
SE - É claro que uma parte pequena dos recursos virá do governo federal, principalmente para manter a equipe-base. É um desafio grande, mas, se nós tivermos bons projetos, eu não vejo muita dificuldade no levantamento desses recursos.
Do ponto de vista do Brasil, temos visto o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico sendo contingenciado, mas, internacionalmente, tivemos vários contatos com instituições que possibilitam que organizações de outros países possam fazer aplicações de recursos em projetos de interesse internacional.
P. - Com recursos escassos, como fazer para fortalecer projetos que já estão em desenvolvimento no Brasil? E como escolher os projetos a serem impulsionados?
SE - O objetivo estratégico comum é ampliar o conhecimento sobre o oceano. Temos duas vertentes para isso. A primeira é agregarmos recursos a projetos que já estão em andamento.
Uma segunda linha é nós apoiarmos projetos que ainda não estão colocados. Como uma das primeiras ações do Inpo, vamos fazer um grande seminário nacional de diagnóstico sobre o oceano, para entendermos que temos, o que estamos fazendo e aonde podemos chegar. Com base nisso, vamos elaborar as prioridades.
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