SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O padre Julio Lancellotti diz ter ficado contente com a derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) à lei que leva o seu nome. A proposta veda a construção de intervenções em espaços públicos que busquem afastar pessoas em situação de rua, como cercas elétricas e divisórias

"É uma primeira lei nacional que veta um sintoma muito evidente da aporofobia", diz ele, citando o termo que versa sobre a aversão a pessoas pobres. "Que seja o início de uma grande luta de humanização", continua o padre.

"Tendo a legislação escrita, a gente pretende começar a se movimentar nas cidades para que haja a fiscalização de intervenções hostis na arquitetura", diz. Em São Paulo, por exemplo, Lancellotti afirma que pedirá ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) que remova construções já existentes que se enquadrem na categoria.

Em fevereiro do ano passado, o padre quebrou, por conta própria, pedras que foram colocadas pela Prefeitura de São Paulo para evitar a presença de moradores de rua em um viaduto na zona leste da capital. Uma marreta foi usada por ele na ação.

À reportagem, Lancellotti diz ter se surpreendido com a celeridade com que a derrubada do veto ocorreu ?Bolsonaro havia barrado a proposta na terça-feira (13)? e com a votação expressiva na Câmara dos Deputados.

Ao todo, 359 deputados votaram a favor do projeto de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), ante 30 que se opuseram a ela. O texto, agora, segue para promulgação.

"Existe uma conjuntura que foi favorável, mas também existe o próprio senso da lei, da proposta da lei. É difícil você se pronunciar a favor de uma coisa hostil e dizer que é em nome da liberdade, disso e daquilo", afirma o pároco.

Ao derrubar a Lei Padre Julio Lancellotti, o presidente Jair Bolsonaro argumentou que, após ouvir os ministérios de seu governo, entendeu que a medida poderia causar uma interferência no planejamento da política urbana. "O veto presidencial preserva a liberdade de governança da política urbana", dizia nota divulgada pelo Planalto.

O padre, por sua vez, diz não ter ficado surpreso com a decisão de Bolsonaro. "Seria difícil imaginar que ele aprovaria", afirma. O atual mandatário é crítico de Lancellotti, que coordena a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo e já defendeu o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além da aprovação da lei pelo Congresso Nacional, o padre celebra a adoção de medidas contra a chamada arquitetura hostil no Recife e na cidade mineira de Alfenas.

"Hoje foi surpreendente porque o prefeito de Recife, João Campos [PSB], sancionou a lei nível municipal. Até foi bonito que ele me ligou na hora que assinou com a vereadora que propôs [a norma]. E ontem a lei foi sancionada em Alfenas, no sul de Minas. Foi uma conjugação bonita. É uma tomada de posição histórica", diz ele.

Lancellotti diz que compartilhou a mudança legislativa com a filósofa espanhola Adela Cortina, que cunhou o conceito de aporofobia, e aguarda a sua manifestação.

O próximo passo, defende, é fazer com que a discriminação de pessoas pobres seja considerada crime. "Existe agora um projeto do senador Randolfe [Rodrigues, da Rede-AP], no sentido de equiparar a aporofobia a um crime semelhante ao racismo e à homofobia", afirma.


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