MIRA ESTRELA, SP (FOLHAPRESS) - Para não ter que abandonar os estudos, Gustavo Pontes, 17, teve neste ano como única opção frequentar uma escola em uma cidade vizinha a mais de 40 quilômetros de onde mora.
Ele precisa trabalhar para ajudar com as contas em casa, e a única escola estadual da sua cidade, Mira Estrela, no interior de São Paulo, oferece apenas turmas em tempo integral. O modelo ampliou o tempo de aula de 5 para 7 horas por dia e levou a unidade a não ofertar turmas no período noturno.
"As aulas na escola são das 7h às 14h e eu preciso trabalhar. Ninguém vai me dar um emprego para trabalhar só depois desse horário. Então, tenho que ir para outra cidade onde ainda existe a opção de estudar à noite", conta o adolescente, que está no 2º ano do ensino médio.
Mira Estrela, município com pouco mais de 3.000 habitantes, fica na região de Fernandópolis, a primeira do estado a ter todas as suas 25 escolas estaduais com o modelo de ensino integral, política educacional priorizada pelos governos João Doria e Rodrigo Garcia (PSDB) nos últimos quatro anos.
A gestão tucana apostou na expansão acelerada do PEI (Programa de Ensino Integral) para tentar solucionar a baixa qualidade da educação paulista. Em 2018, 364 escolas estaduais ofertavam a jornada estendida (cerca de 6% do total). Para o próximo ano, serão 2.311 com o modelo, alcançando 45% de toda a rede.
A expansão é há anos uma das principais metas do país na área da educação, já que experiências internacionais e locais demonstraram uma série de benefícios em manter os estudantes por mais tempo em sala de aula.
Especialistas, no entanto, afirmam que a implementação precisa ser feita de forma cuidadosa para que o modelo não acabe excluindo justamente os alunos mais vulneráveis.
A rápida expansão em São Paulo já fez com que regiões e municípios pequenos do estado, como é o caso de Mira Estrela, tenham todas as escolas com a oferta de tempo integral, sem dar a opção de período parcial para os jovens que precisam trabalhar.
Gustavo mora na zona rural da cidade com a mãe, que é pescadora no rio Grande. Ele conseguiu um emprego em uma fábrica de panos de chão, com uma jornada de trabalho de oito horas por dia, e se tornou a principal fonte de renda da casa.
Para conseguir conciliar trabalho e estudo, Gustavo enfrenta uma rotina de 18 horas de atividades por dia. Ele sai de casa às 5h30 para chegar à fábrica às 7h. Lá, passa todo o tempo em pé, já que sua função é fazer a limpeza e manutenção das máquinas de tecelagem.
Quando o expediente se encerra, às 17h, ele pega um ônibus para Fernandópolis que o deixa na porta da escola em que estuda ?uma das quatro da região que mantiveram o turno da noite. As aulas começam às 19h e terminam às 22h. Ele volta em um ônibus da prefeitura, que é usado por alunos de uma faculdade, e chega em casa após a meia-noite.
"É cansativo, mas eu preciso terminar a escola. Chega o fim de semana e eu só durmo pra aguentar os outros dias", conta o adolescente, que sonha em abrir uma barbearia depois de se formar.
A rotina de Gustavo não é uma exceção entre os jovens da região. Jenifer Soares, 18, também trabalha na fábrica em Mira Estrela e viaja todos os dias para estudar à noite em Fernandópolis.
"A gente tenta dar conta de tudo, ajudar em casa, trabalhar e estudar. Mas é cansativo, muitas vezes eu chego na escola e durmo na aula por causa do cansaço", conta a jovem, que também está no 2º ano do ensino médio.
Os dois dizem que, se ainda houvesse a opção de estudar em meio período, poderiam arrumar um emprego em outro horário e assim não precisariam ir para a escola à noite e em outra cidade.
A implantação do tempo integral sem mudança no ensino também tem levado estudantes que não precisam trabalhar a procurar emprego para "fugir" do modelo. A legislação nacional prevê que adolescentes com contrato empregatício tenham o direito de estudar à noite.
Lívia Santana Dias, 16, cursou o 1º ano do ensino médio em tempo integral neste ano na escola estadual Joaquim Antonio Pereira, em Fernandópolis. Ela conta não ter se adaptado a tanto tempo de aula e está procurando emprego.
"As aulas são todas iguais, não sinto que estou aprendendo mais. Me sinto perdendo tempo de ficar tanto tempo trancada na escola, fazendo a mesma coisa. Prefiro ir trabalhar", conta.
A jovem tem o apoio da mãe. "Ela ficou muito desanimada com a escola esse ano, prefiro que ela vá trabalhar, aprenda outras coisas. Tenho até medo que ela desista completamente de estudar se tiver que continuar nesse modelo nos próximos dois anos", diz Viviane Santana, 39, auxiliar administrativa.
Dados da própria Secretaria de Educação mostram que o número de alunos que passaram a estudar no período noturno neste ano cresceu 41%. Em 2021, a região de Fernandópolis tinha 386 matriculados à noite. Neste ano, foram 546.
Ainda assim, a secretaria diz que os pedidos de transferência não são consequência do período integral, mas da necessidade dos jovens de trabalhar. Questionada, a pasta não respondeu sobre as dificuldades dos alunos que precisam viajar para continuar estudando.
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