SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Meu sonho é ver meu povo, esse da ocupação, só crescer. Juntos, vamos evoluir. Temos dificuldades, claro, mas eu vejo essas crianças correndo e imagino um futuro lindo", diz Adriana Angelina da Silva, 49, articuladora da ocupação Jorge Hereda, na Penha, distrito da zona leste de São Paulo.

Junto a ela, mais de 3.000 pessoas vivem no local, segundo censo interno. Os moradores são divididos em 800 famílias.

Os mais de 270 mil m² do terreno eram inabitados desde, ao menos, 1981. Seu proprietário é o grupo Savoy, dono de outros importantes endereços na capital, como o shopping Aricanduva, divulgado como o maior da América Latina, que fica a poucos metros da ocupação.

Em julho de 2021, barracos de madeira tomaram o local. Era o auge da pandemia de Covid, e centenas de famílias vulneráveis, especialmente pelo impacto financeiro do estado de emergência global, encontraram ali um lar.

Uma semana depois, se iniciou uma batalha judicial. De um lado, a Savoy buscando a reintegração de posse do terreno. Do outro, os moradores tentando manter seus barracos e pés fincados lá.

Até novembro deste ano, decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso barraram despejos de áreas coletivas habitadas antes da pandemia.

Inicialmente, tais ações foram suspensas por seis meses a partir de junho de 2021.

No fim daquele ano, Barroso prorrogou a proibição de despejos até 31 de março de 2022. Depois, em uma terceira decisão, deu prazo até 30 de junho e, finalmente, estendeu até 31 de outubro de 2022.

Naquele mesmo dia, o ministro decidiu permitir novamente a discussão do tema pelos tribunais, determinando que, ao tratar de casos de reintegração de posse, sejam instaladas comissões para mediar eventuais despejos antes de qualquer decisão judicial.

Teoricamente, esses comitês devem elaborar estratégias graduais para retomar decisões de reintegração de posse suspensas sem afetar os ocupantes do terreno requerido.

Aos mediadores cabe ainda realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer ordem, mesmo em locais nos quais já haja decisões pelos despejos.

Ministério Público e Defensoria Pública também devem participar, segundo a determinação.

"Apesar de termos a jurisprudência do Supremo, não há garantia de que a discussão ocorrerá de forma justa. As Justiças estaduais, especialmente a paulista, podem tender a favorecer a parte mais forte. Digo isso em uma análise histórica", diz Flávio de Leão Bastos, professor de direito constitucional e direitos humanos na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

No caso da ocupação Jorge Hereda, os ritos foram mais diretos do que os estabelecidos pelo STF.

Naquele julho de 2021, um juiz de plantão da 1° Vara Cível do Fórum Regional Penha emitiu liminar favorável ao despejo de todas as famílias do terreno e à reintegração por parte da Savoy. Não houve discussão ou mediação.

A reportagem procurou a Savoy para comentar o caso, mas não houve resposta.

Em 30 daquele mês, após um recurso apresentado pela Defensoria Pública, representando os moradores da Jorge Hereda, a reintegração foi suspensa.

O caso não parou por ali. No último mês de novembro, o juiz titular da ação, José Luiz de Jesus Vieira, decidiu então que a Polícia Militar de São Paulo seria a parte mediadora.

"Foi estranho, não podíamos aceitar", diz Marta Araújo, membro da coordenação da Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia (ULCM), que auxilia a ocupação.

Com auxílio do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que atua em questões de moradia, a ocupação entrou com um recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo para suspender a reintegração. A defesa argumentou que o preceito de mediação pacífica proposto pelo Supremo teria sido violado.

No último dia 18 de novembro, o tribunal acatou o argumento dos moradores e suspendeu o processo. Agora, a ocupação Jorge Hereda aguarda, sob tensão, os próximos movimentos do Judiciário.

Cleveland Prates, economista e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz haver outro lado na discussão dos despejos. Para ele, as decisões do Supremo que perduraram até outubro deste ano travaram o diálogo e provocaram medo por parte de pessoas que arrendam imóveis.

"Parece uma preocupação social ter uma lei para impedir os despejos, mas é um tiro no pé", diz Prates.

"Como alguém coloca seu imóvel nas mãos de outra pessoa sem a garantia de que, em caso de problema, haverá uma solução direta? Com isso, temos uma menor quantidade de habitações disponíveis", afirma o economista. Ele diz ainda que falta uma política séria para cobrir a falta de moradia.

Leão Bastos, da Mackenzie, segue outra linha de raciocínio. "O Estado brasileiro sempre deu preferência ao privado em detrimento do público. Ao pobre em detrimento do rico. Ao que tem tudo em desfavorecimento ao sem nada. Hoje, há o mínimo de possibilidade de diálogo, mas precisamos de mais e temos que observar decisões monocráticas fora do senso", diz

A articuladora Adriana Silva, hoje desempregada, chegou à ocupação junto com seus fundadores. Ergueu seu barraco em uma das vielas que chama de alameda, no qual mora com o marido e um dos filhos.

"A gente tem água, luz, internet. Quase tudo. Tem plantas comestíveis pelo terreno, estamos construindo até uma quadra de futebol, também tenho o sonho de uma biblioteca. Todos se ajudam muito, sabe? É uma comunidade de verdade", diz ela.

Adriana tem outros dois filhos que moram com o pai, mas a visitam com frequência e já pleiteiam até um espaço na ocupação, afirma ela.

Apesar de alguma estrutura, o saneamento básico da ocupação ainda é precário. Há a necessidade de utilização de fossas sépticas, mas os moradores dizem já ter apresentado projetos de regularização sanitária à prefeitura.

Mesmo lá alguns vivem melhor que outros. Em uma das vielas próximas à metade do terreno, a baiana Ronilda Souza de Oliveira, 41, habita um barraco de dois cômodos com um filho de 20 anos que, desde um acidente na infância, sofre convulsões constantes e recorre a medicamento controlado.

Antes de chegar ao Jorge Hereda, Ronilda e o filho viviam de aluguel. Há seis meses, ela perdeu o emprego, deixou a casa e partiu para a ocupação.

Hoje, diz passar fome, além de ter a companhia que ratos que pulam em sua cama e se escondem entre os lençóis, mas diz viver com esperança de dias melhores.

"Eu não vou me abater. Agradeço por esse pedaço de terra, pelo barraco, por ter meu filho vivo e por toda a ajuda que recebo. É pouca, mas fazem o que podem por mim. A ocupação é tudo que eu tenho, sem ela não sou nada e nem tenho rumo", diz.

Neste sábado (17), membros da comunidade se articulavam para arrecadar uma cesta básica para a mulher.


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