SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Procuradoria do Município de São Paulo questionou o convênio firmado entre a prefeitura e o colégio Liceu Coração de Jesus, que ameaçou fechar as portas no ano passado após 137 anos de atividades. A escola está localizada na região da cracolândia e sofre há décadas com a falta de segurança.

Em parecer, o órgão de controle municipal afirmou se tratar de "uma modelagem inédita para o oferecimento de vagas de ensino fundamental", e classificou como "exótico" a parte do convênio que prevê o pagamento de aluguel e IPTU do prédio onde a escola funciona.

Para a Secretaria Municipal de Educação, os apontamentos feitos pela procuradoria são "corriqueiros e naturais" de qualquer processo administrativo e não há nenhuma irregularidade no convênio.

Os questionamentos da procuradoria levaram o vereador Senival Moura (PT) solicitar ao TCM (Tribunal de Contas do Município) a imediata suspensão do convênio. Na representação, ele diz que a demora na medida pode trazer problemas futuros a muitos alunos da rede municipal.

A Secretaria da Educação começou nesta quarta-feira (18) a receber cadastro de alunos interessados em estudar no Liceu. Segundo a pasta, já há fila de espera por vaga na unidade.

O convênio da prefeitura com o Liceu prevê repasses mensais de cerca de R$ 527 mil, que inclui o pagamento do aluguel e o IPTU do prédio no valor de R$ 139.442,70, além de R$ 388.365,70 para manter o custeio do colégio.

Há também previsão de repasse único de R$ 572.540,01 para adequações físicas do prédio. Em troca, a Rede Salesiana Brasil de Escolas vai oferecer 500 vagas em período integral para a rede municipal de ensino -250 vagas de educação infantil e 250 vagas para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano).

Segundo a Procuradoria, a prefeitura figura como locatário do imóvel de propriedade da rede de ensino sendo que não irá usufruir do espaço, e sim, a própria instituição privada, o que contradiz trecho do Código Civil a respeito dos contratos de aluguel, segundo o órgão. "Não há locação de imóvel próprio para uso próprio", diz trecho do documento que a reportagem teve acesso.

O documento também chamou atenção para o trâmite da elaboração do convênio com dispensa de chamamento público. Em casos como esse, o rito burocrático normal se inicia com a manifestação de interesse da entidade privada em estabelecer um convênio com a prefeitura que, por sua vez, abre um edital para convocar outras empresas e vence a que apresentar a melhor proposta de parceria.

Em relação ao Liceu, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) fez o movimento contrário, ou seja, procurou a rede de ensino para efetuar os repasses. "A escolha de formalizar uma parceria para oferta de vagas para o ensino fundamental representa uma guinada na política em voga, o que reforça a necessidade de justificativa para a escolha da entidade eleita para esse propósito", argumentou o controlador do município no documento.

Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, o anúncio de fechamento do Liceu teve repercussão negativa para o prefeito. Isso porque uma das razões que levaram ao fim do colégio foi o aumento da violência na região onde ele fica, próxima da cracolândia, no centro de São Paulo. Nunes, por sua vez, é um defensor das ações policiais que acabaram por espalhar os usuários pela região.

O parecer da procuradoria também destaca que manter as atividades no Liceu é importante para evitar uma enfraquecimento das ações da prefeitura na região. "A manutenção e incremento do funcionamento dessa instituição é essencial para o enfrentamento e redução do processo de degradação urbana na localidade", diz o documento.

Além da necessidade de manter as atividades no local, o convênio com o Liceu vai ao encontro de outra política defendida pelo prefeito, a gestão terceirizada das escolas.

Segundo documentos disponibilizados pela secretaria à Procuradoria, o custo mensal per capita para o ensino fundamental 1 integral no Liceu será de R$ 775,44, valor considerado vantajoso pela pasta em relação a unidades de ensino semelhantes na administração direta.

O vereador Moura disse que chamou a atenção a rapidez com que o processo foi feito. "Em 40 dias estava tudo pronto", disse o parlamentar. "Ainda que o prefeito tenha tido boa intenção [ao elaborar o convênio], é preciso entender o motivo de um repasse mensal de R$ 500 mil a uma entidade privada", continuou.

No início de janeiro, após a divulgação do convênio, o vereador Celso Gianazzi (PSOL) também entrou com uma representação no Ministério Público e no TCM (Tribunal de Contas do Município) pedindo a anulação do contrato com o Liceu.

Ele, assim como especialistas da área, defende que o convênio com o Liceu é inconstitucional. O parágrafo primeiro do artigo 213 da Constituição diz que os recursos públicos só podem ser destinados a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas "quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública". Também diz que o poder público é "obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede".

Esse entendimento é reforçado pela lei do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que impede o uso de repasse dos recursos federais para escolas conveniadas no ensino fundamental.

Bruno Lopes Correia, secretário-adjunto de Educação, disse que a prefeitura está "completamente segura" de que não há nenhuma ilegalidade no convênio com o Liceu. "Jamais faríamos algo que amanhã poderia ter uma decisão de algum órgão de controle que pudesse derrubar a expectativa de 500 famílias que hoje têm uma vaga em tempo integral assegurada."

Ele disse que apontamentos feitos pela procuradoria foram sanados antes da assinatura do convênio e que a prefeitura está pronta para prestar os esclarecimentos necessários aos órgãos de controle.

O Liceu Coração de Jesus informou que está apta a firmar a parceria com a prefeitura e vai atender o currículo da cidade que é laico. E reforço que a laicidade do ensino será respeitada.

"No que se refere ao aluguel, a definição do valor seguiu portaria da Secretaria de Governo Municipal e um laudo de avaliação foi elaborado por perito da própria prefeitura. O valor mensal contratado a título de aluguel de imóveis é compatível com o valor de mercado dos imóveis da região e tem como base, o laudo de avaliação de locação do bem", disse o colégio, em nota.


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