Em 1970, Claudia Andujar passava pela Rua Direita, no centro de São Paulo, quando decidiu quase encostar sua máquina fotográfica no chão para retratar as pessoas que passavam por ali. Fotografadas desse ângulo, de baixo para cima, elas têm a imagem agigantada no quadro, o que faz com que se comparem em tamanho aos arranha-céus que já eram comuns na cidade naquela época.
O retrato feito por Claudia Andujar é apenas uma das 81 fotografias incluídas na exposição Modernas! São Paulo a Imagem Vista por Elas, que está em cartaz no Museu Judaico, no centro da capital paulista, até o dia 5 de março. “Essas fotos ela fazia quase tocando no chão. Ela quase deitava no chão para fazê-las”, disse a coordenadora de Projetos no Museu Judaico, Mariana Lorenzi, em entrevista à Agência Brasil.
A exposição, que poderá ser visitada gratuitamente no aniversário da cidade, comemorado em 25 de janeiro, apresenta uma São Paulo ainda em transformação. Retratada por sete mulheres, todas imigrantes judias que fugiram do nazismo, a São Paulo que aparece nas fotos é a dos contrastes entre o preto e o branco, entre a luz e a sombra, entre o antigo e o moderno, entre a província e a metrópole, entre a demolição e a construção. A curadoria da mostra é de Ilana Feldman e Priscyla Gomes. A capital paulista completa 469 anos.
As imagens dessa São Paulo abrindo-se para a modernidade foram feitas por Alice Brill, Claudia Andujar, Gertrudes Altschul, Hildegard Rosenthal, Lily Sverner, Madalena Schwartz e Stefania Brill. Com exceção de Hildegard Rosenthal, que era casada com um judeu, todas eram judias.
“Elas vieram da Europa, de vários lugares como Alemanha, Suíça e Hungria”, contou Mariana. “Quando elas começam a sofrer perseguição, veem todos os seus direitos sendo retirados e entendem que precisam fugir de lá. Nem todas vêm direto para São Paulo, mas, em algum momento, elas se estabelecem aqui, onde começam uma nova vida em uma cidade que é muito diferente de onde elas estavam, ainda muito provinciana, mas que estava em um desenvolvimento frenético.”
O olhar dessas mulheres mostra São Paulo por um período de mais de 50 anos, com cenas que apresentam não só a cidade dos arranha-céus ou das multidões, mas também a cidade dos ângulos diversos, da solidão e principalmente da chuva.
“Essas fotógrafas conseguiam olhar um pouco para coisas mais cotidianas, esses momentos de pausa, de descanso, de humor, de presença das crianças na cidade”, destacou Mariana.
“O que as pessoas vão ver aqui é o começo do que hoje é São Paulo. A maior parte das fotos foi feita nos anos 50, mas tem fotos dos anos 40 até os anos 90. Quem tem um olhar um pouco mais atento, consegue ver a linha dessa cidade em transformação. Vai também ver personagens icônicos da cidade como o engraxate, o menino das notícias, e os contrastes entre a cidade que está pulsando pelo desenvolvimento, mas que já enfrenta muitos problemas sociais, desigualdades e conflitos”, acrescentou.
Os visitantes poderão ainda brincar com essas imagens, produzindo seus próprios ângulos sobre a cidade. “Estamos propondo esse exercício de tirar foto, mas com um frame”, explicou Jonnathan Chilman, arte-educador do museu. Segurando um pedaço de papel, vazado no meio, ele demonstra como participar da proposta: basta segurar o papel em frente a uma das fotografias expostas e, com o seu celular, tirar uma foto da imagem que aparece no centro da folha, de um ângulo que a pessoa considere interessante.
“Dentre as peças da exposição, a gente escolhe a que chama mais a atenção e os visitantes, por conta própria, recortam, dentro do recorte feito pelas próprias artistas, ou seja, do que chama mais a atenção dentro da foto durante o processo de visita à exposição. Algumas vezes, as pessoas vão vir aqui e ter uma lembrança do passado, do que viveram naquele momento”, disse Chilman.
Catálogo
No próximo dia 28, às 16h, o Museu Judaico lançará o catálogo que reúne as fotos que fazem parte da exposição. Na ocasião, haverá um bate-papo com as curadoras da mostra.