SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao concentrar esforços em combater a multiplicação de microapês na capital paulista, a revisão do Plano Diretor proposta pela prefeitura pode deixar escapar a chance de aprimorar um dos pontos fortes do regulamento aprovado em 2014: o desestímulo ao uso de carros em regiões fartamente abastecidas por transporte público.

Estudo do Laboratório Arq. Futuro de Cidades do Insper mostra que o número de garagens individuais poderia aumentar em até 7% se o regramento proposto pelo município tivesse sido aplicado entre os anos de 2019 e 2021 nos EETUs (Eixos de Estruturação da Transformação Urbana), como são chamados os eixos mais irrigados por modais coletivos para locomoção de passageiros.

A conclusão tem a ver com dois pontos centrais do projeto de lei apresentado pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Na sua proposta, o município acaba com a isenção da outorga onerosa (taxa para construir mais do que o limite básico para o tamanho do terreno) da vaga de garagem do apartamento com área inferior a 35 metros quadrados.

Outro dispositivo permite que a construtora faça a opção por incluir no projeto uma vaga de garagem sem custo de outorga para cada 70 metros quadrados de área construída.

Nos dois casos, a medida se aplica a empreendimentos dentro dos EETUs, portanto, a prédios no faixa de até 150 metros das laterais de corredores de ônibus ou num raio de 400 metros de estações de trem, metrô e similares.

As alterações sugeridas divergem do modelo atual, que aplica a isenção da outorga para uma vaga por unidade habitacional, independentemente do tamanho do imóvel. Na prática, as mudanças tornam mais caro construir garagens para apartamentos muito pequenos.

Para simular o impacto das modificações, o estudo do Insper considerou o número máximo de garagens que poderiam ter sido criadas com a regra atual entre 2019 e 2021 nos EETUs, que são cerca de 25 mil por ano, em média. Sobre essa base, os pesquisadores traçaram dois cenários.

O primeiro, considerado pouco realista, mantém o mesmo número de apartamentos compactos (menos de 35 m²) licenciados no período analisado. Isso resultaria em queda de 38% no número vagas, que recuariam de 25 mil para 15,5 mil ao ano, em média.

Já a segunda hipótese, mais adequada a um movimento de reação que se espera do mercado imobiliário, leva em conta a adaptação dos empreendimentos, com as construtoras eliminando as unidades menores do que 35 m², pois elas não contam com incentivos às vagas para carros. Nesse cenário, o número de garagens individuais ofertadas cresceria 7%. Elas aumentariam para 26,9 mil por ano, em média.

"A proposta não chega a criar uma explosão de vagas para carros próximas do transporte público, mas também não desestimula o uso do automóvel nesses eixos", afirma Adriano Borges Costa, professor do Insper e um dos pesquisadores que conduziu o estudo.

Costa também critica a regra que cria a vaga incentivada a cada 70 metros quadrados de área construída. Ele afirma que a modificação terá pouco efeito prático e, devido à sua difícil compreensão, abre flancos para que sejam feitas alterações na Câmara Municipal que ofereçam ao mercado chances de aumentar a oferta de apartamentos para famílias com mais de um automóvel.

"Nosso temor é que estejam passando um boi agora para depois, na Câmara, passarem a boiada", diz Costa.

Para o professor, a oferta de vagas para automóveis poderá ser substancialmente elevada caso a Câmara realize modificações no coeficiente de aproveitamento (que determina quantas vezes a área construída pode superar o terreno sem incidência de outorga) e na cota parte (número de apartamentos por terreno).

Professor titular de planejamento urbano na USP, o ex-vereador Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor aprovado em 2014, afirma que modificações no regramento propostas pela administração municipal não melhoram o plano quanto ao estímulo ao uso do transporte público.

"Bastava vincular as vagas ao tamanho do terreno, em vez de as atrelar ao número de unidades no empreendimento. Isso poderia variar conforme a localização, com um limite menor de garagens permitidas em algumas regiões da cidade", comenta Bonduki.

Em nota, o Secovi-SP (sindicato das construtoras) afirmou ter analisado "preliminarmente" a minuta [da revisão do Plano Diretor] e identificado "pontos que necessitam uma análise mais aprofundada". A entidade também comunicou que, após essa análise, irá se posicionar e oferecer sugestões.

Já a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento disse que "a proposta de ajuste na regra para o cálculo do número de vagas consideradas não-computáveis nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana é uma das respostas às contribuições captadas no processo participativo para elaboração da Minuta Prévia do Projeto de Lei da Revisão Intermediária do Plano Diretor Estratégico".

A administração ressaltou que a "proposta fomenta maior adensamento populacional nas proximidades das estações de metrô e corredores de ônibus, ao mesmo tempo em que desestimula eventuais casos que sugerem oferta de apartamentos do tipo estúdio, com área excessivamente reduzida, que gerava maior número de vagas [para automóveis]".

Para a prefeitura, comparada à regra vigente, a proposta tende a reduzir o número total de vagas não computáveis nos empreendimentos.

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PRAZOS DA REVISÃO

Após entrega de minuta, gestão Ricardo Nunes tem um mês e meio para finalizar processo

Prévia

Publicada em 13 de janeiro, a minuta da revisão do Plano Diretor fica disponível para consulta e sugestões dos paulistanos

Participação

O prazo para a população fazer sugestões de ajustes e mudanças é 17 de fevereiro

Prazo final

Após o término da fase de contribuições, a equipe da prefeitura terá até 31 de março para enviar o projeto revisado à Câmara Municipal; prefeito quer enviar o plano com antecedência

Adiamentos

A prefeitura já adiou a entrega da revisão três vezes; o prazo original era 31 de dezembro de 2021

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Estudo


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