BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - No mesmo dia em que o indígena tanaru conhecido como Índio do Buraco foi enterrado, fazendeiros invadiram o seu território e a sua palhoça, onde ele foi sepultado, em Rondônia.

A Folha obteve fotos, tiradas por uma câmera escondida instalada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que mostram os invasores perambulando pelo lugar na tarde daquela mesma sexta-feira, 4 de novembro.

O corpo foi sepultado durante a manhã. A cerimônia foi conduzida por indígenas kanoé, que também vivem no sul de Rondônia, seguindo ritos dos povos locais e dos tanaru. Servidores da Funai estavam presentes.

As imagens da câmera instalada do lado de fora da palhoça registram que os fazendeiros estiveram no local pouco depois das 14h. As imagens mostram dois homens circulando o exterior da casa e olhando para o interior, pela porta. Um está de chapéu e o outro de boné, facão na cintura e por vezes aparece com o celular na mão.

A reportagem não conseguiu identificar os invasores.

Cerca de um mês depois, o MPF (Ministério Público Federal) publicou uma nota informando que havia notificado fazendeiros e que os alertou a não entrar na Terra Indígena Tanaru.

"Invasores podem responder pelos crimes de dano qualificado, dano em coisa de valor arqueológico e histórico e vilipêndio a cadáver. Na área está a maloca em que o índio do buraco foi sepultado e outros locais sagrados, além de sítios de valor histórico, cultural e ambiental", afirmou o MPF.

Em 27 de dezembro de 2022, a Procuradoria ainda entrou com uma ação civil pública pedindo que a Funai garanta a preservação do território, tendo em vista que "pessoas foram vistas perambulando pela Terra Indígena, o que motivou o Ministério Público Federal a notificar os possuidores/proprietários lindeiros à Terra Indígena".

Os restos mortais do Índio do Buraco foram enterrados na mesma palhoça onde ele foi encontrado morto somente após uma disputa judicial com a fundação.

O corpo foi encontrado em 23 de agosto. O óbito ocorreu de 30 a 40 dias antes, segundo análise feita.

Quando o corpo foi encontrado, estava com um "chapéu" na cabeça e plumagens de penas de arara na nuca, "fatos que indicam consciência e preparativos para a morte ou pós-morte", conforme o MPF.

O enterro foi postergado por ação do então presidente da Funai Marcelo Augusto Xavier da Silva, que barrou a cerimônia na véspera do dia previsto para ocorrer, 14 de outubro.

Ele enviou um ofício à Polícia Federal em Vilhena barrando os procedimentos sob a alegação de que era necessário aguardar a conclusão dos laudos dos exames nos restos mortais do indígena --mesmo diante do fato de que todos os testes a partir da coleta de material pela PF já haviam sido feitos.

Fazendeiros que circundam o território ingressaram na Funai com pedidos para exploração da área preservada. Eles alegaram ser donos da área de 8.070 hectares.

O sepultamento só foi possível porque o MPF ingressou com uma ação civil pública para que a Justiça Federal obrigasse a realização da cerimônia na mesma palhoça onde o indígena morreu.

Ele era o último de seu povo, dizimado pela ação de madeireiros na região na década de 1990. Viveu sozinho e isolado por 26 anos.

Segundo a Funai, o grupo tinha seis pessoas e existiu até 1995. O órgão passou a monitorá-lo, e a respeitar seu modo de vida, a partir de 1996.

A Terra Indígena Tanaru não é demarcada. Por haver incidência de um indígena isolado, o território conta com uma restrição de uso, definida em portaria da própria Funai. Ela vigora até 2025. É esta portaria que os fazendeiros tentam derrubar, a partir da morte do indígena.


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