SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Queremos um programa imediato para os cem primeiros dias de governo, em acordo com o governo o que pode ser feito e, para isso, [teremos] mais EUR 200 milhões (R$ 1,1 bilhão)", afirmou à Folha a ministra alemã da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento, Svenja Schulze.

A doação deve sair do ministério de Schulze, responsável também pelo Fundo Amazônia, mas deve ir além do mecanismo voltado à conservação das florestas e à mitigação das mudanças climáticas.

"Vamos também cooperar em outras áreas, para ajudar a resolver o fosso social, porque temos certeza que a proteção do clima não funciona sem resolver os problemas sociais", pontua Schulze, citando que acompanha a situação do povo yanomami e que busca tratar com as ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente) formas de cooperar no caso.

A ministra recebeu a reportagem no hotel em que se hospedou em São Paulo no último sábado (28), antes de viajar a Brasília para encontrar as duas ministras. Nesta segunda (30), ela cumpre agenda de reuniões junto ao chanceler da Alemanha, Olaf Scholz.

O objetivo é ouvir do governo brasileiro sobre as prioridades de investimentos e traçar planos velozes de cooperação nas áreas social, de florestas e energia.

Schulze também cita a necessidade de reabilitar rapidamente os recursos parados no Fundo Amazônia, que tem R$ 3,3 bilhões em caixa, inutilizados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

O atual governo tem sinalizado aos parceiros internacionais que o Fundo Amazônia é uma prioridade nas parcerias e deve ser usado de forma emergencial para as ações de fiscalização ambiental e combate ao desmatamento na Amazônia.

Segunda maior doadora do Fundo, a Alemanha já havia fechado um novo contrato de doação logo após as eleições presidenciais, no valor de EUR 35 milhões (cerca de R$ 194 milhões).

"Uma coisa que já nos foi informada pelo governo é que os estados amazônicos precisam de mais apoio, não através do fundo Amazônia, para que possam fazer coisas mais concretas em matéria de proteção da floresta", diz Schulze.

A proposta de cooperação climática para além do Fundo Amazônia tem ressonância com o que os estados amazônicos reivindicaram durante a COP27 do Clima da ONU, que aconteceu em novembro de 2022, no Egito.

Uma das demandas do Consórcio da Amazônia Legal ao governo Lula foi justamente a possibilidade de ter mais autonomia no recebimento de recursos internacionais para as políticas estaduais de clima.

Para além das florestas, a ministra cita ainda a pretensão do governo alemão de atuar em agricultura e hidrogênio verde --áreas onde o Brasil pode ser uma potência, ela afirma.

"Por isso estamos desde já interessados em boas relações, porque isso no futuro pode ser bem interessante para todos, inclusive para nós, quando o Brasil começar a produzir hidrogênio em grande escala", diz Schulze. A exportação de hidrogênio verde --feito a partir de energias renováveis-- é uma aposta da indústria brasileira para a substituição das fontes fósseis de energia nos países europeus.

"Esperamos que o Brasil seja rapidamente capaz de produzir hidrogênio para exportar, mas também para satisfazer suas próprias necessidades, e talvez produza excedente que sobre para exportar para países como a Alemanha", completa.

Segundo a ministra, a autossuficiência energética seria positiva para que o Brasil não precisasse importar energia. "Essa é a experiência dolorosa pela qual a Alemanha passa agora, porque estava completamente dependente do gás russo", compara. "Para nós, a prioridade número um é sermos mais resilientes e não dependermos mais da Rússia, para que não possamos ser chantageados", aponta.

"Doeu muito ter que religar as usinas de carvão", diz Schulze, que comandou o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha entre 2018 e 2021. "Eu era ministra quando a lei da proteção do clima foi aprovada, então esse passo agora foi muito custoso", lembra. "Apesar disso, queremos eliminar o uso do carvão mais cedo, mais rapidamente."

Esta é a terceira visita de representantes do governo alemão desde a eleição do presidente Lula, no último outubro. Em dezembro, a enviada especial do clima da Alemanha, Jennifer Morgan, fez reuniões em São Paulo e elogiou as declarações do novo governo sobre o compromisso do país com as metas climáticas definidas no Acordo de Paris.

Já a posse de Lula, no início do mês, contou com a presença do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier.

A cooperação em clima e proteção florestal também deve ajudar os alemães a destravarem outra área importante para o país europeu: o acordo comercial da União Europeia com o Mercosul, barrado no parlamento europeu por conta das preocupações com o descontrole no desmatamento da Amazônia -o que poderia ser incentivado pela intensificação das relações comerciais com o Brasil, segundo críticos do acordo.

"Na proteção das florestas, percebemos que há possibilidade de fazer algo com o novo governo", diz Schulze, citando ter recebido do governo brasileiro o sinal de que o Brasil deseja renegociar algumas partes. "Estou bem ansiosa para ver o que acham aqui. Posso sinalizar que da nossa parte há grande abertura", afirma a ministra.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.


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