SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O possível afundamento do casco do porta-aviões São Paulo, que vaga pela costa brasileira desde agosto do ano passado, pode impactar seres vivos e até ecossistemas inteiros, afirma o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Segundo avaliação da equipe técnica do órgão, o plano da Marinha, revelado pela Folha de S.Paulo, de descartar o navio de 266 metros de comprimento no fundo do mar deve liberar materiais poluentes contidos na estrutura e pode impactar hotspots de biodiversidade, que são fundamentais para a vida marinha.
Entre os impactos previstos estão distúrbios na capacidade filtrante e dificuldade de crescimento em organismos aquáticos e liberação de gases CFCs e HCFCs (que degradam a camada de ozônio e atuam no aquecimento do planeta). Além disso, o impacto físico sobre o fundo do mar provocaria a morte de espécies, a deterioração de ecossistemas e a carcaça poderia atrair espécies invasoras.
O instituto também estima que os microplásticos e metais pesados presentes em tintas da embarcação "poderiam se tornar protagonistas de uma bioacumulação indesejável em organismos aquáticos". A bioacumulação acontece quando substâncias se acumulam em tecidos ou órgãos de seres vivos.
O plano da Marinha seria realizar o chamado afundamento controlado por meio de uma série de explosões para abrir rasgos no casco. Isso levaria ao oceano as mais de nove toneladas de amianto presentes na embarcação. O amianto é um produto tóxico que causa doenças como câncer e asbestose, que ataca os pulmões.
O Ibama afirma que o navio não carrega uma carga tóxica. "Os materiais perigosos fazem parte indissociável de sua estrutura. Na reciclagem verde, eles seriam retirados e receberiam tratamento ambiental adequado", diz o órgão em nota.
A previsão era de que esse descarte ambientalmente correto seria feito por um estaleiro turco, mas o porta-aviões acabou sendo proibido de entrar no país após denúncias de irregularidades ambientais. Com isso, o Ibama também rescindiu a autorização de exportação e ele voltou às águas brasileiras, onde a Marinha assumiu a operação.
De acordo com o instituto, a Marinha vem informando que a deterioração do casco se agravou nos últimos meses e que não haveria condições de salvamento. Com o risco de naufrágio, o navio foi afastado para aproximadamente 300 km de distância da costa de Pernambuco, em local com profundidade de 5 mil metros.
Ainda segundo o Ibama, enquanto o órgão defendia que o porta-aviões fosse atracado em um porto brasileiro -para que fosse reparado e reexportado para passar pela reciclagem verde-, a Marinha alegava que a empresa proprietária não teria atendido às exigências necessárias para aportar com segurança.
Em um comunicado à imprensa emitido nesta terça (31), a ONG Shipbreaking Platform, que monitora a questão do desmanche consciente de navios no mundo inteiro, afirma que o afundamento do navio faria com que a Marinha violasse três tratados internacionais: a Convenção de Basileia, que trata do transporte de resíduos; a Convenção de Londres, que previne a poluição marinha; e a Convenção de Estocolmo, elaborado para eliminar a produção e o uso de algumas substâncias tóxicas.
"Com base nas evidências disponíveis, a Marinha do Brasil deve ser condenada por negligência grave", afirma no texto Jim Puckett, diretor da organização Basel Action Network. "Se continuarem [com o plano de] descartar uma embarcação altamente tóxica na vastidão do Oceano Atlântico, irão violar os termos de três tratados ambientais internacionais e o farão sem bom motivo. Apelamos ao presidente Lula, como comandante-em-chefe [das Forças Armadas], que interrompa imediatamente o perigoso plano de naufrágio."
Procurada para esclarecer por que a decisão de afundar o navio foi tomada, onde e quando a operação será realizada, quais profissionais vão supervisioná-la e qual a dimensão do dano ambiental esperado, a Marinha afirmou que só se pronunciaria por meio de notas oficiais.
O Ibama disse, ainda, que busca informações mais detalhadas sobre o local previsto para o afundamento. "Para o Ibama, a melhor destinação ambiental para ex-navios é a reciclagem verde em estaleiro credenciado pela União Europeia. Países como Itália, Noruega, Dinamarca, Reino Unido e Turquia possuem essa infraestrutura", disse o instituto.
Nesta terça (31), o MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação na Justiça para impedir que o porta-aviões seja afundado. De acordo com órgão, a ação foi motivada por informações de que a operação estaria programada para esta quarta-feira (1º). O objetivo do MPF é evitar que o afundamento cause "dano irreparável ao meio ambiente marinho, à saúde pública da população e consequências sanitárias irreversíveis".
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