SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um estudo liderado por um pesquisador brasileiro encontrou um cérebro preservado em um peixe fóssil que viveu há 319 milhões de anos (período Carbonífero), onde hoje é a Inglaterra.
A condição de preservação excepcional --geralmente, partes moles como órgãos e outras estruturas internas não são preservadas nos fósseis-- do achado foi destaque na edição desta quarta (1°) da revista científica Nature.
O paleontólogo e doutorando do Departamento de Ciências da Terra e do Meio Ambiente da Universidade de Michigan (EUA), Rodrigo Figueroa, também primeiro autor do estudo, explica que o material na realidade era conhecido há mais de cem anos.
O peixe conhecido como Coccocephalus wildi (algo como "cabeça de coco", em latim) foi encontrado nos anos 1920 em uma mina de carvão, mas recebeu pouca atenção por ser muito pequeno (tem cerca de 3 cm) e de difícil identificação das partes ósseas do animal, como estruturas do crânio e mandíbulas.
Utilizando um equipamento de tomografia computadorizada, Figueroa identificou a presença de uma massa inusitada, com uma cor mais clara do que outras partes do fóssil.
A análise da rocha onde foi encontrado indica que o fóssil vivia em um ambiente de estuário (como de mangue), em baixa profundidade, e ao morrer foi soterrado por sedimentos muito finos em um contexto com baixa taxa de oxigênio, o que pode ter ocasionado a preservação do cérebro.
"De início, era difícil saber até mesmo que se tratava de um cérebro, porque tem algumas concreções rochosas e chegamos a pensar que era uma intrusão [tipo de formação mineral que ocorre após a fossilização]. Mas depois conseguimos identificar algumas características que definem o cérebro de um vertebrado, como a bilateralidade [simetria da direita para a esquerda] e a presença dos nervos cranianos", explica o paleontólogo.
Com isso, o fóssil inclui o cérebro mais antigo já conhecido de um vertebrado. Outras pesquisas, como uma publicada em 2009 com uma espécie de peixe do grupo das quimeras (parentes de tubarões e raias) também encontrou o cérebro do animal fossilizado, mas o fóssil em questão era mais jovem, com cerca de 300 milhões de anos de idade.
Estudos que identificaram indiretamente os cérebros de animais extintos a partir de uma espécie de molde do volume cerebral --chamados de endocastos-- também já existem, mas nestas há a inferência da anatomia do sistema nervoso a partir da caixa craniana, sem a presença do órgão em si, avalia Figueroa.
Para comparação, é como fazer um ovo de chocolate despejando o chocolate no molde de plástico, mas o interior permanece oco.
No caso de Coccocephalus, foi possível identificar as três porções do cérebro do peixe: anterior, médio e posterior. Diferente dos mamíferos, os peixes, assim como anfíbios e répteis, possuem um cérebro dividido em três porções, cada uma com uma função distinta.
A descoberta pode, assim, revolucionar o conhecimento que se tinha sobre a evolução do cérebro nos vertebrados.
O C. wildi faz parte do grupo de peixes conhecidos como de nadadeiras raiadas (ou Actinopterygii), que tem sustentação por ossos. Eles são hoje o grupo mais diversificado de vertebrados, com cerca de 30 mil espécies, e incluem todas as mais conhecidas de peixes marinhos e de água doce.
Um número menor das espécies de peixes ósseos é representado pelos de nadadeira lobada (Sarcopterygii) -que tem músculos e ligamentos conectados a um único osso que faz a ligação com o restante do corpo-, que inclui os pulmonados e que originou os vertebrados terrestres (anfíbios, répteis, incluindo as aves, e mamíferos).
O restante da diversidade de vertebrados (as outras 30 mil espécies) é a soma de tubarões e raias (peixes cartilaginosos) e os vertebrados terrestres.
Só que, nos peixes de nadadeira raiada atuais, o cérebro durante o desenvolvimento embrionário é formado por eversão, ou seja, com o tecido de dentro para fora, como uma meia ao avesso.
Nos demais grupos de vertebrados, o desenvolvimento do cérebro é por evaginação, com a dobra de fora para dentro.
O Coccocephalus possui um cérebro evaginado, semelhante ao que é visto nos demais grupos de vertebrados, o que indica que essa característica pode ter aparecido muito cedo na história evolutiva e se modificou ao longo de milhões de anos nos peixes de nadadeiras raiadas.
"A análise da estrutura que nós identificamos como o cérebro de C. wildi foi difícil até porque existem muitas lacunas do conhecimento da evolução do cérebro nesses peixes", avalia Figueroa. "Como tive que comparar com diversas espécies fósseis [naqueles em que havia o endocasto] e atuais, algumas das características que antes eram consideradas como exclusivas dos peixes de nadadeiras raiadas surgiram muito depois."
Em sua pesquisa de doutorado na Universidade de Michigan, Figueroa está interessado em compreender a evolução do grupo de peixes de nadadeiras raiadas e, por isso, além de C. wildi, tem analisado diversas outras espécies fósseis do grupo.
"Por mais que seja o grupo mais diversificado de vertebrados atualmente, não existe tanta informação assim sobre as características evolutivas do cérebro de muitos dos animais do grupo", afirma.
Segundo ele, pesquisas como essa demonstram a necessidade de se fazer estudos da chamada ciência básica, que busca entender fenômenos e padrões de evolução na natureza para gerar conhecimento científico.
"Às vezes é difícil compreender a importância da ciência de base, mas é ela que, como o nome diz, fornece as bases para pesquisas mais aplicadas. Por exemplo, compreender a evolução do cérebro de peixes a partir dos fósseis ajuda a entender o desenvolvimento desse órgão em espécies usadas em pesquisas em laboratório, como o peixe-zebra", finaliza.
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