A possível assinatura de um tratado bilateral do Uruguai com a China, o que poderia prejudicar o Mercosul, não deverá acontecer. A avaliação é do geógrafo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour. Ele participou, nesta quinta-feira (2), de palestra na 13ª Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE), que este ano ocorre no Rio de Janeiro.

“Eu não acredito que a China vá levar isso a cabo, porque pode prejudicar as relações com o Brasil. Não acho que a China vai levar isso até o fim”, disse o professor, considerado um dos maiores especialistas sobre o país asiático, após a palestra dirigida a estudantes universitários de diversos estados brasileiros.

Jabbour, que se dedica ao estudo do país asiático faz 30 anos, apresentou o seu último livro, escrito em parceria com Alberto Gabrieli, China: o Socialismo do Século XXI. Ele destacou as mudanças que o mercado chinês passou nas últimas décadas, se transformando de um país agrícola em uma potência tecnológica.

“A China é só mudança. Tem um crescimento no PIB muito rápido, então tudo muda rapidamente. Nos últimos dez anos, tirou do campo e colocou nas cidades 150 milhões de pessoas. Eles conseguiram construir marcos institucionais, políticos e financeiros que capacitaram o país a planejar esse tipo de movimento. No Brasil o nosso processo de urbanização foi muito traumático, com favelização. Na China, eles conseguiram fazer isso de forma ultraplanejada. Era um país que exportava quinquilharias e hoje disputa com os Estados Unidos a fronteira tecnológica na infraestrutura dos semicondutores”, disse.

Segundo Jabbour, o sucesso chinês se explica na forma como o país se colocou no mundo nas últimas décadas. Enquanto o Brasil foi tragado pela globalização, ao abrir subitamente suas fronteiras ao capital internacional, a China aderiu ao processo de forma ofensiva, colocando as suas exigências.

“Tinha mão de obra, mais de 1 bilhão de habitantes, um mercado consumidor em potencial e usou isso ao seu favor. Para investir na China, as empresas tinham que se associar com uma empresa chinesa, transferir tecnologia. Eles trabalharam com a ideia de joint ventures com o capital estrangeiro, com a estratégia de buscar tecnologia, os melhores métodos de administração. Foi um grande projeto nacional, que teve como um dos pilares a inserção ativa na globalização. Ao contrário do Brasil, que teve uma inserção passiva, sem uma estratégia para lidar com um mundo em transformação. Quando abrimos a nossa economia, a nossa indústria foi destruída”, disse Jabbour.

O professor considerou que não houve prejuízos na relação bilateral recente do Brasil com a China, apesar de diversos percalços diplomáticos ocorridos no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que usou mais de uma vez palavras e termos pejorativo em referência aos chineses.

“Eu não acho que houve quebra nessa relação. O que se aprofundou foi a nossa dependência em relação à China, para produtos primários. Os chineses trabalham com um tempo histórico diferente do nosso. Para eles, Bolsonaro vai e o Brasil fica. Eles têm uma visão do Brasil muito mais sofisticada do que nós mesmos temos. Então, para os chineses, interessa um Brasil forte, industrializado, com uma base material que o coloque em condição de ocupar um espaço neste mundo multipolar. Isso interessa a eles”, afirmou Jabbour.

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