BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) - O controle do espaço aéreo, a maior presença do Estado e a decisão anunciada -ainda que sem data- de retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami levaram a uma mobilização de grupos de invasores do território. Eles passaram a deixar o lugar ou a tentar fugir de alguma forma.
O movimento é acompanhado por integrantes da PF (Polícia Federal), que confirmam a intensificação das fugas dos garimpos nos últimos dias. O quadro já foi detectado também pelo primeiro escalão do governo federal, que declarou estado de emergência em saúde pública na terra indígena no último dia 20.
Os garimpeiros passaram a enfrentar uma inflação nos preços dos voos clandestinos de helicóptero para deixar o território, cobrados pelos próprios garimpeiros detentores de aeronaves. Um único voo passou a custar R$ 15 mil por pessoa, conforme relatos de invasores levados em conta no monitoramento feito pela PF.
Parte dos garimpeiros tenta chegar à Venezuela, segundo integrantes da PF, e há movimentos de fuga voltados até mesmo para a Guiana, distante da terra indígena.
Parte do território yanomami está na fronteira com a Venezuela. Uma das regiões mais atingidas pela crise de saúde, com explosão de casos de malária e desnutrição grave, é Auaris, que fica próxima da fronteira. O garimpo ilegal de ouro avançou tanto, com a conivência e o estímulo do governo Jair Bolsonaro (PL), que chegou até comunidades de Auaris.
Garimpeiros estão tentando deixar a terra indígena também em barcos. Outros dizem estar ilhados, sem condições de sair do território e com mantimentos se esgotando.
Passaram a ser mais frequentes caminhadas pela mata -chamadas de varadouros- até pistas clandestinas, na expectativa de voos que permitam a saída do lugar.
A presença de mais de 20 mil garimpeiros na terra yanomami, por tanto tempo, só foi possível em razão da grande quantidade de voos clandestinos que operam no território. Mesmo com a declaração de emergência, com a maior presença de equipes de saúde em Auaris e Surucucu e com a atenção voltada à crise dos yanomamis, o garimpo vinha executando mais de 40 voos por dia.
No último dia 1º, a FAB (Força Aérea Brasileira) deu início a um controle do espaço aéreo na terra indígena, a partir de um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que ampliou o poder de atuação do Ministério da Defesa e permitiu a criação da Zida (Zona de Identificação de Defesa Aérea).
Em uma área ficaram proibidas aeronaves, a não ser militares ou relacionadas à operação de emergência. Foram especificadas ainda áreas reservadas ou restritas. Radares móveis passaram a dar suporte a esse controle do espaço aéreo.
"As aeronaves que descumprirem as regras estabelecidas nas áreas determinadas pela Força Aérea estarão sujeitas às medidas de proteção do espaço aéreo", disse a Aeronáutica, em nota.
Garimpeiros que dizem estar ilhados e sem condições de deixar a terra indígena passaram a recorrer ao governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), que defende a atuação dos invasores. O governador passou a interceder pelos garimpeiros, inclusive junto ao governo federal.
Denarium afirmou à Folha de S.Paulo no último dia 29 que os indígenas "têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho". O MPF (Ministério Público Federal) abriu um inquérito para investigar a fala do governador, por ter identificado potencial discriminatório no que ele disse.
Garimpeiros têm usado os indígenas de aldeias próximas ou coladas aos garimpos para tentarem algum tipo de apoio na saída do território. Em vídeos, eles dizem que ajudam os yanomamis.
Neste sábado (4), o Governo de Roraima divulgou vídeos que circulam pelo WhatsApp com registro dos movimentos feitos por garimpeiros, e encampou os pedidos.
"São homens, mulheres e crianças que, tendo conhecimento das operações que deverão ocorrer nos próximos dias, resolveram se antecipar e evitar problemas com a Justiça", diz nota divulgada pelo governo local.
Denarium, que é bolsonarista, fez contato com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e José Múcio (Defesa) para comunicar o que estava ocorrendo na terra indígena e para pedir um apoio do governo federal no "recebimento e incentivo a esses trabalhadores que desejam sair de forma espontânea e pacífica".
A nota do Governo de Roraima não faz menção a Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, que foi a Boa Vista no começo da manhã deste sábado (4) para acompanhar o andamento das ações de emergência em saúde. Ela e sua equipe permanecem no estado até este domingo (5).
Na tarde de sábado, a ministra confirmou que o governo tem conhecimento das tentativas de saída espontânea por grupos de garimpeiros.
"É bom que saiam mesmo. Retirar 20 mil garimpeiros demora um tempinho", disse Guajajara. "Se eles começam a sair, estão corretos. Melhor para todo mundo se saem sem precisar da ação da força de segurança."
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