SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um aplicativo desenvolvido por Luciana da Mata, professora associada da Escola de Enfermagem da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), tornou-se um aliado para pacientes que retiraram a próstata após o diagnóstico de câncer e passaram a sofrer com incontinência urinária.

Coordenadora da pesquisa, Luciana, 37, já trabalhava com homens nesse perfil desde seu mestrado. Ali, percebeu que eles tinham muitas dúvidas e conceitos preestabelecidos, alguns infundados --como a perda da masculinidade--, sobre a doença e o procedimento cirúrgico. O medo de não conseguir mais controlar a urina e a disfunção erétil eram alguns desses temores.

"Uma das questões que os deixam apreensivos é o pós-operatório. E dos muitos serviços públicos, há poucos profissionais engajados na reabilitação de incontinência urinária, que afeta a maioria dos pacientes nessa situação. Muitos convivem muito tempo com isso sem conseguir tratamento", diz.

Luciana então criou uma cartilha para ajudá-los, mas um tempo depois decidiu ampliar essas informações por meio de um aplicativo, desenvolvido ao longo de um ano e que surgiu da parceria entre integrantes da Escola de Enfermagem da UFMG e do Instituto de Informática da UFG (Universidade Federal de Goiás).

Assim nasceu a IUProst, plataforma que não se restringe a pacientes da UFMG e privilegiou a incontinência urinária por ser uma das consequências da cirurgia para a maioria dos pacientes.

"Depois da cirurgia, não se dá muita assistência além do pós-cirúrgico. Há efeitos colaterais do tratamento. A incontinência pode ser reversível ao longo do tempo. Alguns homens, por si só, vão voltar a controlar a urina, mas muitos deles não conseguem sozinhos", afirma a docente.

Pelo projeto, a equipe --composta por enfermeiros, pesquisadores da área de incontinência urinária e desenvolvedores de software da UFG-- teve reconhecimento internacional em novembro ao vencer o prêmio SBEB Boston Scientific de Inovação em Engenharia Biomédica para o SUS (Sistema Único de Saúde).

"Não pude ir receber o prêmio porque meu filho nasceu exatamente no mesmo dia. Uma aluna que participa do projeto, a Fabrícia, foi representar o grupo", afirma Luciana, que está de licença-maternidade.

Desde outubro do ano passado, a ferramenta pode ser obtida gratuitamente por meio da Play Store (para Android) por qualquer homem que receba esse diagnóstico, após passar por consultas e exames médicos.

O app já teve mais de 2.000 downloads. Desses, 759 dispositivos estão utilizando a plataforma e já foram executados quase 7.000 exercícios.

O IUProst tem comandos e vídeos que explicam vários comportamentos, como hábitos de ingestão de líquidos ou como usar o banheiro corretamente.

Um dos diferenciais é o programa de treinamento muscular. Luciana explica que é como se fosse um exercício para fortalecer a musculatura para que o paciente consiga controlar seu esfíncter e segurar a urina.

"A gente trabalha na reversão da incontinência, mas depende muito de o homem aderir à proposta de treinamento e fazer os exercícios no mínimo três vezes ao dia, por oito semanas, o que vai proporcionar autonomia", afirma Luciana.

Ela explica que os exercícios não precisam ser feitos sob o comando de um profissional e que o app emite alertas para lembrar das atividades. "É um autocuidado. O aplicativo traz essa facilidade de ensinar e acompanhar os exercícios, que ficam mais intensos a cada semana", diz a coordenadora da pesquisa.

Se o paciente tiver alguma dúvida relacionada ao funcionamento do aplicativo e aos exercícios, pode acessar o canal do WhatsApp da plataforma, o Fale com o Profissional.

"A gente não faz consultas online, não é o foco o aplicativo. Ele é uma ferramenta aliada ao tratamento. É importante manter o acompanhamento profissional presencial", diz Luciana.

Mestre pela Escola de Enfermagem da UFMG, Fabrícia Estevam, 29, a aluna que foi receber o prêmio na Costa Rica, desenvolveu o aplicativo durante sua dissertação, defendida em 2022.

Ela destaca a vantagem de o paciente poder fazer os exercícios em casa, com acompanhamento de especialistas via app, sem a necessidade de ter que ir sempre ao ambulatório para isso. "É uma forma dele conhecer melhor o que está enfrentando."

ara mostrar como a incontinência pode afetar os homens, Fabrícia lembra da reação de um dos pacientes, que pensou em se separar da mulher por vergonha de não segurar a urina quando espirrava ou até mesmo quando ele se levantava.

"Os homens, em geral, não falam do problema e escondem seus medos. É uma população difícil de aceitar ajuda. Mas esse paciente fez o tratamento, que exige muita disciplina, e conseguiu reverter a incontinência urinária. Ele resgatou sua autoestima e sua vida."

Os custos do trabalho foram pagos com parte da verba de edital para pesquisa sobre incontinência urinária que a professora obteve entre 2018 e 2022, no valor total de R$ 24 mil, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

"É um desafio dentro do serviço público. [Para viabilizar o projeto] Fizemos vaquinha também, porque para colocar o aplicativo na base tem cursos de operação, pagamento de site e outras coisas. É muita dedicação de todo o grupo."

De acordo com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), o câncer de próstata é o tipo mais comum entre a população masculina, representando 29% dos diagnósticos da doença no país. Foram 65.840 novos casos a cada ano, entre 2020 e 2022. Homens com mais de 55 anos, com excesso de peso e obesidade, estão mais propensos à doença, segundo o Inca.


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