ILHABELA, SP (FOLHAPRESS) - O empresário aposentado Julio Cardoso, 74, checa o celular em busca de mensagens da rede informal de olheiros para sair atrás de baleias e golfinhos no mar de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Ao menor indício de presença dos animais, que muitas vezes se resume a cardumes de bonito ou atum, ele embarca em sua lancha com o equipamento fotográfico em punho.
A rede de informação é formada por pescadores, donos de pousada e funcionários de restaurantes espalhados pelo balneário. Para evitar curiosos, e a aglomeração de embarcações que pode estressar os animais, o grupo com cerca de 50 integrantes usa frequências de rádio alternativas e se comunica por códigos. "A maioria não sabe como se comportar ao ver uma baleia. Vão para cima para fazer selfies", diz Cardoso, que começou a fotografar as baleias em 2004 como hobby.
Desde 2016, quando transformou o hobby em um projeto de ciência cidadã e fundou o Baleia à Vista, Cardoso catalogou cerca de 450 espécimes de jubarte, orca, tropical (bryde), franca austral e cachalote-anão na baía de Ilhabela. A experiência foi registrada em nove publicações científicas.
Há muitas baleias vistas mais de uma vez que foram batizadas por ele. Entre elas uma baleia tropical apelidada de Escondidinha porque submerge ao perceber qualquer barco se aproximar. "Ela tem marcas de hélice nas costas. Deve ter sido atropelada por alguma lancha, mas sobreviveu", conta Cardoso.
O reconhecimento é possível por detalhes nas caudas, que permitem identificar, por exemplo, uma baleia que passou por Ilhabela e foi vista na Austrália. "O avistamento é uma forma barata de formar uma base de dados importante para a ciência", diz ele, que compartilha as informações coletadas a bordo de seu barco com universidades brasileiras e institutos internacionais.
Há cerca de dois anos, o grupo avistou duas baleias no canal de São Sebastião na rota onde cruzam as balsas. "Tentei avisar o comandante a todo custo e elas quase foram atropeladas", lembra Cardoso. O episódio o fez criar um programa de capacitação para ensinar os condutores sobre como proceder nessas situações.
Desde 2020, os funcionários aprendem a identificar a presença de animais no mar e acionam um sistema de alerta para avisar as demais embarcações.
O canal costuma atrair as baleias por causa de sua profundidade e por estar em uma rota de corrente marítima ascendente, o que favorece a presença de cardumes, principal alimento para esses animais. Além disso, Cardoso explica que parte da ilha está voltada para o alto-mar, mais um fator para as boas condições de avistamento de cetáceos. "O fato de boa parte da vegetação ainda estar preservada é outro atrativo para elas", diz.
O melhor período para avistar as baleias é entre junho e agosto, quando os grupos rumam da Antártica à costa nordeste do Brasil em busca de águas mais quentes durante o período reprodutivo.
É nesta época do ano que os operadores de turismo organizam passeios com esse propósito em volta da ilha. O guia Marcos Cara, dono de uma agência há 22 anos no balneário, diz que não tem mais vaga para as saídas programadas no período. "É um perfil diferente de turista, são pessoas que vêm a Ilhabela especificamente para isso. Fazem o passeio de dia e voltam para casa", diz.
Ele conta que sempre presenciou baleias no mar em sua rotina como guia de turismo, mas a relação com os animais mudou após conhecer Cardoso. "Eu não me canso de ver, é algo viciante", diz. "Eu saio escondido quando sei que tem baleia no mar, navego sozinho e volto correndo para trabalhar só para dar uma olhada", continua.
O cuidado serve para despistar curiosos como a ocasião em que conta ter sido seguido por uma fila de barcos e motos aquáticas.
A presença em massa de baleias no litoral norte paulista atraiu pesquisadores do Instituto Baleia Jubarte, criado em 1988 no Parque Nacional de Abrolhos, na Bahia, principal destino de avistamento de baleias do país.
Desde julho do ano passado, o instituto mantém um espaço cedido pela Prefeitura de Ilhabela, na praia do Perequê, para divulgar informações sobre a espécie aos turistas.
"Esse é mais um serviço que as baleias nos prestam, além de nutrir os oceanos, elas ajudam na sensibilização de que é preciso proteger o ambiente", diz Rafaela Souza, coordenadora de pesquisa da base de Ilhabela do Instituto Baleia Jubarte.
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