SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A remoção de barracas em que vivem as pessoas em situação de rua em São Paulo, defendida pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) durante a posse de novos subprefeitos na última terça-feira (7), na prática já tem sido intensificada na região central da cidade há semanas.
Tanto quem dorme nas praças e calçadas quanto quem trabalha próximo de regiões que concentram a população de rua afirma que a rotina de limpeza e desmonte de ocupações mudou desde o fim de janeiro.
Na região da praça da Sé, por exemplo, as ações de limpeza são diárias e barracas são removidas todos os dias. A diferença é que, agora, colchões e cabanas são retirados e jogados no lixo. Ao anoitecer, novas barracas são armadas na praça, para serem removidas no dia seguinte.
Após a mudança na ação, o cenário da praça já mudou e quase não há mais barracas, embora muitas pessoas ainda durmam ali. Há cerca de dois meses, o largo da catedral estava tomado por abrigos de lona.
A prefeitura afirma que não houve mudança na rotina de limpeza e que faz ações periódicas para acolher a população de rua.
Na terça, Nunes disse que a gestão municipal tem oferecido alternativas à população de rua e questionou quem se mantém nessas condições. "A partir do momento em que ofereço condições da pessoa ir para um abrigo, ou hotel, ou receber o auxílio-aluguel, por que vai ficar na rua? Não podemos permitir que as pessoas montem barracas para fazer mendicância na rua", disse o prefeito.
Na rua Benjamin Constant, bem ao lado da praça da Sé, barracas em um trecho de calçada que ficou ocupado durante meses foram removidas há cerca de duas semanas e não voltaram. O mesmo ocorreu na praça Doutor João Mendes, atrás da catedral onde, segundo relatos de moradores, a prefeitura retirou abrigos que ficavam ali permanentemente e fez uma pequena reforma nos canteiros. Há quem durma na grama e em pedaços de papelão, mas não há mais barracas.
O último censo da população de rua apontou 31.884 pessoas sem-teto na capital em 2021. A prefeitura diz que tem mais de 20 mil vagas de acolhimento para a população de rua em diferentes modalidades, o que significa que não há vaga para cerca de 10 mil pessoas.
A praça Marechal Deodoro, em Santa Cecília, tem barracas que agora estão concentradas embaixo das pistas e alça de acesso ao viaduto João Goulart, o Minhocão. Elas não ficam mais ao ar livre nem é permitido que lonas sejam amarradas na parede de um prédio ao lado da praça, como ocorria ?ali, em novembro, policiais civis encontraram um depósito de crack, que servia como espécie de entreposto do tráfico na região central.
No fim do ano passado, a prefeitura iniciou uma reforma que cercou o local e moveu, por algumas semanas, quem dormia ali para o vão do Minhocão. Segundo André Bruno, 42, que vive na praça há 20 anos, as ações de limpeza e remoção de objetos ficaram mais intensas e truculentas no último mês.
Bruno relata que uma pessoa em situação de rua chegou a ser atingida por bala de borracha disparada por um GCM (Guarda Civil Metropolitana) durante uma ação de limpeza.
"As últimas três vezes que eles vieram, em um mês, foram muito tensas", conta. "Tinha um varal de roupa aqui, por exemplo, e veio um funcionário da prefeitura e arrancou, dando risada da nossa cara. Não há a menor necessidade disso."
A poucos metros da sede da prefeitura, na praça do Patriarca, cerca de 15 pessoas vivem em sete barracas embaixo da marquise projetada por Paulo Mendes da Rocha.
Ali, a body piercer Rebecca Pacin, 29, conta que aguarda há mais de três meses por uma vaga em hotel social, mas até hoje não foi chamada. Ela diz que essa situação é a regra entre os moradores da praça.
"Estamos em frente a uma UBS [Unidade Básica de Saúde] e temos gestantes e cadeirantes aqui, então fica muito mais fácil resolver qualquer problema [de saúde]. Se sairmos daqui, vamos para onde?", reclama. Pacin diz que os moradores não foram informados sobre a necessidade de retirar as barracas, e que a disposição do grupo é de ficar ali. "A gente também tem o direito de não querer sair."
A Subprefeitura da Sé reúne oito bairros ?Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé? e cartões-postais da cidade como avenida Paulista e o Mercadão.
O novo subprefeito da região, coronel Álvaro Batista Camilo, já indicou que as ações de remoção devem ser graduais. A estratégia recebeu o apoio de 11 Conselhos Comunitários de Segurança da região central.
Em nota conjunta, eles declararam que as regras de civilidade urbana devem valer para todos e pede para que Camilo "tenha todas as condições de realizar os regaste do centro de São Paulo".
OUTRO LADO
Questionada se houve ou haverá alguma mudança na política de retirada das barracas, a prefeitura informou que as ações de zeladoria no centro ocorrem rotineiramente, assim como em outras regiões da cidade, e que não estão ligadas a nenhuma operação específica. A gestão municipal também disse que realiza ações constantes para abrigar e acolher as pessoas em situação de rua.
A prefeitura diz que cumpre as regras do decreto nº 59.246/2020, que "preserva o direito das pessoas que vivem em situação de rua com a necessidade de limpeza e manutenção do espaço urbano". Além disso, informa que as ações de retirada de objetos seguem a lei 59.246, de 2020, e que podem ser recolhidos objetos que caracterizem o uso permanente de local público, "principalmente quando impedir a livre circulação de pedestres e veículos, tais como camas, sofás, colchões e barracas montadas ou outros bens duráveis que não se caracterizem como de uso pessoal".
Segundo a gestão Nunes, os bens duráveis retirados são inventariados e encaminhados ao depósito da subprefeitura, que se torna a fiel depositária. Os donos desses objetos devem ser notificados, no local e momento da apreensão, sobre o destino de seus pertences, e recebem um contralacre com a informação de que poderão retirá-los no prazo de 30 dias. Objetos perecíveis e deteriorados são descartados.
"A Smsub [Secretaria Municipal de Subprefeituras] repudia abusos e quando há denúncias, estas são averiguadas e arbitrariedades são punidas de acordo com a lei e de forma administrativa. Os profissionais que atuam no serviço diariamente são orientados sobre os princípios da lei e o respeito ao cidadão", diz a prefeitura.
A prefeitura informou que em agosto e setembro criou um total de 200 vagas para a população de rua com prédios da antiga Fundação Casa, cedida pelo governo estadual, e que outras 400 vagas serão entregues em 2023 por meio dessa parceria.
A Subprefeitura da Sé disse que o Seas (Serviço Especializado de Abordagem Social) realizou, segundo a prefeitura, 691 atendimentos na praça da Sé e arredores no mês de janeiro de 2023. Desse total, 396 resultaram em encaminhamentos para os serviços de acolhimento. Também no mês de janeiro, foram 896 atendimentos na praça do Patriarca e arredores.
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