SÃO LUIZ DO PARAITINGA, SP (FOLHAPRESS) - O cancelamento do Carnaval em São Luiz do Paraitinga, na última segunda (13), foi um susto para a comunidade local. A festa criou fama para a pequena cidade do Vale do Paraíba, e os 10 mil habitantes esperam desde 2020, antes da pandemia de Covid-19, para retomarem o cortejo e as marchinhas.
A cidade, que fica a 174 km da capital paulista, está totalmente preparada, com enfeites nos postes do centro histórico. Na praça de eventos, palco montado e banheiros químicos instalados. Mas as cheias dos rios Pinga e Chapéu, no domingo (12), deixaram 700 desalojados, que agora voltaram para casa e recebem ajuda para comer, beber água e limpar os cômodos.
O desastre atingiu o distrito de Catuçaba, a 18 km do centro de São Luiz, e a prefeitura anunciou o cancelamento do Carnaval sob a justificativa de que as equipes responsáveis por trabalhar durante a festa estão deslocadas para reparos e assistência de quem sofreu com as cheias.
A comoção pelos danos da enchente se misturou à ansiedade de quem tem no Carnaval a melhor oportunidade de trabalho do ano. Nesta quarta (15), na pousada Araucárias, Felipe Silveira, 36, fazia reparos no poço de água enquanto pensava em como lidar com os pedidos de cancelamento.
Com a capacidade máxima contratada, ele esperava receber 60 pessoas para os cinco dias de feriado, mas tem oferecido opções para tentar segurar as reservas.
"A ideia é falar 'venha, que a pousada tá inteira'. Porque quem faz o Carnaval mora aqui. Só não vai ter o caminhão da prefeitura. Esse é meu primeiro convite. Quem não quiser, vem no Carnaval do ano que vem e só paga a outra metade, não vou alterar o valor. Ou vem durante o ano, esse ano está cheio de feriado, é legal", afirma.
Quem trabalha com alimentos e fez estoque para os cinco dias de bloco também tem motivos para preocupação. Diego Maia, 33, vende pastéis e investiu R$ 8.000 na preparação de materiais que não chegam, nem congelados, à nova data, prevista para a emenda do feriado de Tiradentes, em 21 de abril (de 20 a 23).
"É pesado. O povo de São Luiz vai batalhar. A gente tenta vender, se não vender, doa. A gente é castigado todo ano, mas, depois de 2010, sei que a gente dá a volta por cima", afirma.
A chuva em 2010 foi mais grave e fez o rio Paraitinga subir 12 metros. A correnteza destruiu a igreja matriz da cidade, que foi reconstruída anos depois. Dessa vez, embora o rio tenha subido quatro metros, o desastre não aconteceu no centro.
Em Catuçaba, moradores ficaram assustados com a rapidez e a violência da enchente, que chegou à metade da altura das casas. "Há 40 anos morando aqui, nunca vi uma dessa, nem em 2010", disse Tadeu Breves, 60.
Ele e a esposa, Rosangela Breves, 48, ajudaram a levar vizinhos e parentes para casas em uma área mais elevada, mas ainda na margem do Chapéu, onde moram. O bairro que leva o nome do rio, a 5 km do centro de Catuçaba, também foi afetado, com quatro pontes danificadas. Equipes da prefeitura haviam recuperado uma e trabalhavam em outras na quarta (15).
Enquanto o município se mobilizava para fazer doações e limpeza, a praça enfeitada parecia ainda mais vazia com a notícia do adiamento. Foi no coreto em que, uma semana antes, havia terminado o concurso de marchinhas, aquecimento da folia.
De frente para a praça, no supermercado da família, onde trabalha, o historiador João Rafael Cursino, 40, avalia que a decisão foi difícil, mas necessária.
"Sou um grande defensor da cultura popular da nossa cidade", diz ele, que integra a banda Estrambelhados, "mas temos que pesar na balança".
"É uma cidade muito deficitária em infraestrutura. O Carnaval demanda mobilização do poder público, que hoje está direcionado para a recuperação de Catuçaba", afirma.
Rafael fez o doutorado na USP sobre a relação entre a cultura local e a recuperação da cidade após a cheia de 2010. Para ele, a cidade precisa de uma solução mais concreta para o rio, problema histórico da ocupação da margem do rio agravado pela degradação florestal na região.
Pouco depois de sua frase chegaram ao mercado integrantes da Abloc, associação dos blocos da cidade, que traziam a notícia: o Carnaval acontecerá em 21 de abril. A decisão foi confirmada pelo secretário de cultura da cidade, Netto Campos, 39.
"Fomos pegos de surpresa, mas acredito que logo teremos definição da programação para fazer esse carnaval fora de época, começando na noite de 20 de abril", disse o secretário.
Para isso se concretizar, é necessário o aval da comissão técnica do Proac (Programa de Ação Cultural), do Governo de São Paulo, responsável por recursos captados pela Abloc para a festa na cidade, cerca de R$ 150 mil.
As cheias do rio e a farra são velhas conhecidas de Benito Campos, 70, fundador do Juca Teles, um dos blocos mais tradicionais do Carnaval luizense.
No ano em que completa 40 anos, o cortejo, que começa com café da manhã às 7h e uma caminhada para acordar quem se recupera da noite anterior, estará ausente.
"Falou-se em adiar o Carnaval, é uma solução, mas não é a mesma coisa. É um pecado, pois a cidade tem esse potencial cultural muito forte. Com essa enchente, é difícil resolver."
Em sua casa, que também é oficina, Benito fez questão de dizer que não é contra a decisão. Ele, afinal, já foi da prefeitura nos anos 1990, quando pensava em soluções possíveis para facilitar o fluxo na cidade na época de festa. E avisa que não vai ficar parado: o Juca Teles e o Bloco do Barbosa sairão no Carnaval de outras cidades.
Duas pessoas ouvidas pela reportagem disseram, assim como Felipe, dono da pousada, que pode haver uma movimentação não oficial na cidade, feita por quem sonha com o retorno da folia.
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