“Meu pai era forrozeiro. Onde ele ia, ele me levava. Com cinco anos de idade eu já estava no forró”, contou Alzira, em entrevista à TV Brasil. “O forró já tinha dominado a minha cabeça, não tinha mais como voltar atrás. Pegou no sangue”, diz.
“A gente põe lá um arrasta-pé, um xote, que o pessoal curte bem, e dá para fazer a mesma magia do carnaval. E estamos com o Bloco do Baião fazendo isso”, contou Sacha.
Alzira destaca que o forró é mesmo um ritmo que apaixona as pessoas. “O forró não nasceu para morrer, mas para ficar. O forró é vida. Só quem dança e que toca é que sabe”, pontua.
Diversidade cultural
As periferias de São Paulo mostram que o carnaval brasileiro não é feito só de marchinhas, samba ou axé. Há espaço para todo ritmo, todo tipo de festa, todo tipo de manifestação. Esse também é o caso do Bloco Afro É Di Santo, que percorre as ruas de M´Boi Mirim, na zona sul paulistana. Surgido em 2010, o bloco tem como base o samba-reggae e ritmos de origem afro-brasileira.
“Neste ano, o nosso tema é Águas de Axé nos Caminhos do Bloco Afro É Di Santo. Nosso bloco tem dois patronos: Oxalá e Oxum, que são orixás. Uma de nossas características é trazer, para os tambores, os ritmos das religiões de matrizes africanas e, a partir daí, nos encontrarmos tanto na nossa fé quanto no ritmo. A partir da nossa ancestralidade, do que a gente é o que a gente faz no território, vamos cantando e resistindo contra todas essas violências que a gente sofreu e vem sofrendo ao longo do tempo”, disse Andrea Souza de Oliveira, co-fundadora do bloco.
O cortejo percorre as ruas do M´Boi Mirim sempre nas segundas-feiras de carnaval. “Nós somos um bloco afirmativo periférico, um bloco afro. Esse é o Bloco Afro É Di Santo, com essa identidade afro-brasileira e que tem como influência o samba e o reggae, inspirados nos blocos de Salvador, nos toques de terreiro e na consciência de afirmação negra e de cultura anti-racista”, descreveu Mestre Rabi Batuqueiro, fundador do bloco.
“As pessoas que a gente convidou para fazer parte do bloco também vêm desse meio cultural, da cultura que usa as ruas para se manifestar, para mostrar o que a gente faz, de onde a gente veio. A rua é nosso lugar de expressão”, falou Mestre Rabi.
Descentralização
O carnaval de rua é uma festa democrática e, em São Paulo, ele tem caminhado para também ser descentralizado, ampliando a ideia de ocupação da cidade.
Dos 475 blocos previstos para desfilar neste ano no carnaval de Rua de São Paulo, 123 vão ocorrer nas periferias da cidade, informou a Secretaria Municipal de Cultura. A expectativa da prefeitura é que cerca de 300 mil pessoas acompanhem o carnaval periférico. Essa previsão, informou a secretaria, desconsidera a região central, a Vila Mariana e Pinheiros, bairros que concentram atualmente a maioria dos blocos da cidade.
“Entre os desfiles na periferia estão blocos em Itaquera, Grajaú, São Miguel Paulista, Sapopemba, Brasilândia, Pirituba, Guaianases, M’Boi Mirim, Cidade Tiradentes e Ermelino Matarazzo. Enquanto o centro concentra megablocos, os bairros periféricos têm maior quantidade de blocos pequenos e regionais”, informou a secretaria, por meio de nota.
O carnaval de rua sempre existiu nas comunidades mais periféricas da cidade. Mas ele ganhou impulso nos últimos anos, com o surgimento de novos blocos e formas de celebração. “Os blocos de Carnaval sempre existiram nas periferias, mas é fato que nos últimos 10 ou 15 anos, aumentou muito a presença desses blocos nos bairros de periferia”, disse Tiaraju Pablo D´Andrea, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Centro de Estudos Periféricos.
Em entrevista à TV Brasil, ele apontou três principais hipóteses para esse crescimento do Carnaval periférico. Uma delas, disse ele, é o que ele chama de “primavera cultural periférica”, com a proliferação de coletivos culturais e artísticos nas periferias de São Paulo. Uma segunda hipótese, diz ele, tem relação com os movimentos populares e sociais de ocupação de espaços públicos. E, por fim, ele destaca o fato das escolas de samba não estarem mais conseguindo aglutinar a massa que quer curtir o carnaval. “Ás vezes as escolas de samba têm um formato um pouco mais rígido. É uma competição ou precisa pagar fantasia ou precisa ter assiduidade nos ensaios. Por isso, a população, de forma geral, acaba preferindo algo mais leve, descompromissado e sem necessidade de se pagar por fantasias”, disse ele.
Uma característica desse carnaval, destacou ele, é ser mais heterogêneo, uma forma de expressar as diversas raízes culturais da população que vive longe do centro. “É na periferia que habita a classe trabalhadora brasileira, a população mais empobrecida do ponto de vista cultural ou das relações sociais e é na periferia que há uma certa interculturalidade, uma heterogeneidade no que se refere às raízes culturais. Isso se expressa na maneira como as periferias mostram sua cultura e, no carnaval, isso não seria diferente”, conclui.
“São Miguel Paulista é um bairro eminentemente nordestino e é óbvio que, em uma de suas expressões carnavalescas, ele iria reivindicar essa origem, essa musicalidade que vem do Nordeste brasileiro. A zona sul de São Paulo tem uma presença negra muito evidente e que se expressa também na defesa das tradições e da origem africana. Vale destacar ainda outras reivindicações que vêm sendo feitas por meio do carnaval: há blocos que defendem a chamada cultura tradicional, blocos que defendem a cultura indígena e blocos que vão querer cantar aquilo que as pessoas gostam de escutar. Então a gente vai ter bloco carnavalesco que canta música sertaneja, que é muito escutada nas periferias. Estamos vendo que, por meio do Carnaval, uma série de gostos e formas musicais estão se expressando”, disse o professor.
*Em colaboração com Priscila Kerche e Thiago Padovan, da TV Brasil
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