RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O último trem de prata saiu da estação Barra Funda, zona oeste de São Paulo, na noite de 29 de novembro de 1998, e chegou à estação Barão de Mauá, no centro do Rio de Janeiro, na manhã do dia seguinte. Foi a última viagem interestadual de uma glamourosa estação ferroviária carioca, desativada completamente em 2004.
Desde então, a Estação Leopoldina, como é conhecida, vive em situação de abandono, com a fachada pichada e em ruínas, fruto de imbróglios entre governo do estado, União e SuperVia, concessionária que controla os trens urbanos do Rio. A mais nova promessa de revitalização vem do governo federal, que deseja restaurar o prédio.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos afirmou, em nota à Folha, que estuda uma proposta para tornar o prédio "um museu e/ou centro comercial". O projeto executivo de restauração da estação está em andamento na Secretaria de Gestão do Patrimônio da União (SPU).
A proposta é mais uma na lista das muitas tentativas de restauração em 20 anos. A estação deixou de receber passageiros em 2001, quando a SuperVia já administrava os trens urbanos do Rio, e parou definitivamente três anos depois.
Em 2013, uma ação civil pública do Ministério Público Federal, ajuizada em face da SuperVia, União e Governo do Rio de Janeiro, pedia a recuperação do imóvel.
O MPF chegou a assinar, em maio do ano passado, um acordo com a SuperVia, que se comprometeu a restaurar a gare (área de embarque da estação) e as quatro plataformas da estação, projeto que já havia sido apresentado ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional).
A reforma, entretanto, não saiu do papel porque, segundo a SuperVia, a União "demonstrou interesse pela retomada dos espaços".
A concessionária não se opôs, já que a estação não faz parte da estrutura atual dos trens do Rio. O Ministério da Gestão disse que o objetivo do projeto é "aumentar a atratividade turística" da zona da Leopoldina, que se transformou ao longo do tempo em uma região de pontos de ônibus municipais e intermunicipais.
Projetada pelo arquiteto escocês Robert Prentice, a Estação Barão de Mauá tem inspiração londrina. No pátio, abóbadas metálicas decoravam o teto, em estrutura similar à que se vê na Estação da Luz, em São Paulo. A fachada lembra o Palácio de Buckingham.
A estação foi inaugurada em 1926 e durante décadas foi utilizada para viagens locais, intermunicipais -especialmente para as cidades de Petrópolis, na Região Serrana, e Três Rios, no Sul Fluminense- e interestaduais, para Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.
O taxista Osvaldo Silva, 68, lembra com carinho dos tempos em que a estação era movimentada. "Morei durante anos na Penha, bairro que era alimentado pelos trens da Leopoldina. Viajar para fora do Rio pelo trem era até elegante. Hoje em dia é triste e bem perigoso pegar ou deixar passageiro aqui", afirma.
Hoje, a fachada da estação tem janelas quebradas, pichações por toda parte e gradis deteriorados. Quem passa pelo elevado Professor Engenheiro Rufino de Almeida Pizarro consegue ver, do alto, o que restou das plataformas.
As áreas de embarque estão em ruínas, e vagões de trens foram tomados pela ferrugem. Muitas locomotivas foram levadas para a Leopoldina em 2004, quando a oficina de trens no Engenho de Dentro, zona norte do Rio, foi desativada para a construção do estádio Nilton Santos. Não houve manutenção das peças desde então.
Ricardo Lafayette, geógrafo e presidente da Associação Fluminense de Preservação Ferroviária, sofre com o abandono do local.
Ele diz que raridades da história ferroviária brasileira estão em processo de degradação no local, como um trem do Corcovado, que funcionou entre 1910 e 1970, vagões do antigo Cruzeiro do Sul, utilizados por Getúlio Vargas na década de 1930, e cinco bondes de Santa Teresa que "estão apodrecendo".
A principal joia, para o presidente da associação, é a locomotiva Alco FA-1, apelidada de Biriba por ferroviários e passageiros.
Na década de 1940, lembra o geógrafo, foram importados dos Estados Unidos 12 trens que operavam no trecho Rio-São Paulo.
"Em 1948, quando chegou a primeira locomotiva, o Botafogo foi campeão carioca. O clube havia adotado um cachorro e apelidado de Biriba, que virou talismã do time. Como a cabine da locomotiva parecia o focinho de um cachorro, os ferroviários batizaram de Biriba. Elas operaram até meados dos anos 1970. Das 12, só sobrou uma, em estado deplorável. Queremos retirá-la dali", afirma Lafayette.
O desejo é levar a locomotiva para o pátio da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, em Cruzeiro (SP).
"Para alguns são meras sucatas, mas para a história da preservação ferroviária do país são verdadeiras preciosidades que ainda resistem ao tempo. São 19 anos sem conseguir dar destino a essas peças".
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