SÃO SEBASTIÃO, SP (FOLHAPRESS) - Apesar do dia quente de verão, as ruas da praia de Juquehy, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, estavam vazias quase uma semana após terem sido transformadas em rios. O barulho dos helicópteros voando baixo com as equipes de resgate se revezava com o som das lavadoras de alta pressão trabalhando a todo vapor para tirar a lama espessa que tomou conta de lojas, restaurantes e pousadas.

Na rua principal, os comerciantes ainda nem tinham ideia do tamanho do prejuízo causado pelo temporal histórico que deixou ao menos 57 mortos e milhares de desalojados e desabrigados.

"A hora é de contabilizar e amenizar o que aconteceu. O impacto só será calculado daqui a dez dias", diz Olivio Balut, presidente da Associação Comercial de São Sebastião. "Agora não é o momento de vir turista para cá", afirma.

A ordem foi repetida pelo governo estadual em comunicado emitido na quinta-feira (23). "O objetivo é evitar sobrecarregar o atendimento em hospitais, o trânsito nas estradas e o abastecimento de água e de alimentos na região", informou em nota.

No primeiro verão sem as restrições impostas pela pandemia de Covid-19, o comércio esperava retomar a atividade dos anos anteriores com perspectiva de faturamento até 25% maior do que ano anterior, segundo estimativa da associação. "Estávamos esperando a melhor temporada de todos os tempos", diz Balut.

Ele ressalta que São Sebastião tem cerca de 10 quilômetros de extensão e possui realidades diferentes. "Brincamos que são quatro cidades diferentes dentro do mesmo município", diz. O centro e a parte norte estão com cerca de 90% das atividades normalizadas, e os prejuízos são maiores na região sul e na divisa com a cidade de Bertioga.

Em reunião na sexta (24), empresários do litoral norte pediram que autoridades revertam junto ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a orientação para que turistas evitem a região. Os representantes do setor hoteleiro afirmam que os problemas mais graves estão apenas em São Sebastião.

A Polícia Militar anunciou a implantação de bloqueios na cidade para orientar viajantes a retornarem às cidades de origem.

Para restabelecer a atividade econômica na região, o governo estadual lançou uma linha de crédito em que as empresas de pequeno e médio porte poderão financiar empréstimos de até R$ 200 milhões com prazo de pagamento de até cinco anos e carência de 12 meses.

Além disso, o Sebrae vai cadastrar os estabelecimentos afetados pela tragédia. "Tem muita gente informal que não tem como regularizar a situação agora para recorrer a um empréstimo, por isso a solução será dada caso a caso", diz o presidente da associação comercial.

Pela primeira vez em 19 anos de funcionamento, a pousada do Almirante, em Juquehy, cancelou as reservas feitas para os próximos 15 dias. Segundo o gerente José Ivan Oliveira Barbosa, 43, os quartos estavam todos lotados. "A maioria dos hóspedes compreendeu a situação e aceitou postergar a hospedagem", diz.

Além das diárias canceladas, o prejuízo maior será para recuperar a mobília dos nove quartos que ficam no térreo e foram inundados na madrugada do domingo passado. Ao menos 20 camas e os respectivos colchões ficaram encharcados pela lama e serão descartados. Será preciso gastar também para pintar a parte das paredes onde a água ficou represada.

Na área de lazer da pousada, o cenário era ainda pior. A água barrenta tomou conta da piscina, e o mobiliário que sobreviveu ao temporal secava de forma desordenada sob o sol. "Não temos ideia do prejuízo", diz o gerente.

A rotina intensa de limpeza e cálculo dos prejuízos se dá em meio a um clima de luto instalado por todo bairro. "Perdi muitos conhecidos. Estou morando de favor na casa de uma comadre", diz o gerente da pousada que teve a casa invadida pela lama.

Na padaria da rua principal, um funcionário perdeu a vida durante a tragédia. A escola municipal Branca de Neve, que fica na mesma via, foi transformada em abrigo para quem saiu de casa com a roupa do corpo. A maior parte dos funcionários dos estabelecimentos comerciais mora nos bairros mais afetados, construídos no morro do outro lado da rodovia Rio-Santos, no sentido oposto ao da praia.

A poucos metros, Ulisses Oliveira, 37, usava uma enxada para tirar o que conseguia de lama de dentro da imobiliária da qual é sócio há 15 anos. Em frente, fica a sorveteria que também administra. Com a enchente, ele perdeu todo o estoque e parte do equipamento. "Calculo que tivemos de R$ 100 a R$ 150 mil de prejuízo", diz.

Junto com o cenário de destruição, a procura de clientes por imóveis parou desde o dia da tragédia, segundo Oliveira. "Tivemos uma curva ascendente de alta na procura por imóveis desde o início da pandemia e, agora, parou tudo", diz.

O clima também é de incerteza para os trabalhadores informais que dependem da movimentação de turistas nas praias para tirar o sustento. O sorveteiro José Alfredo Moura de Oliveira, 60, conta que tem recebido apoio dos fregueses para comprar comida. "Me ligam, pedem meu Pix e dizem que estão pagando os sorvetes adiantados", diz ele, que mora em Juquehy e empurra seu carrinho pela praia da Jureia na alta temporada.

Operário de obras no bairro, Antonio Miranda, 53, está sem trabalho desde o dia da tragédia, já que as construções foram paralisadas. De galocha branca, ele integrava a equipe de voluntários que ajudava as equipes de buscas de vítimas desaparecidas no bairro Pantanal, localizado no sertão de Juquehy, à beira da rodovia Rio-Santos. "Só Deus sabe como vou sobreviver daqui para frente."

O presidente da associação comercial estima que o saque do FGTS, autorizado em casos de desastres naturais, ajude a aquecer a economia local nas próximas semanas.


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