SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com 70% do território inserido em zona de proteção ambiental, São Sebastião (litoral de SP) tem uma topografia peculiar, que oferece poucos terrenos planos e dificulta o processo de verticalização sugerido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para ampliar a oferta de habitação em áreas seguras.
Esse foi um dos motivos que mobilizaram a população a rejeitar a proposta da prefeitura para aprovar uma lei que aumentou a altura permitida de construções em todo município, em 2019. Na época, houve protestos nas audiências públicas organizadas pela Câmara Municipal para discutir o Plano Diretor.
A regra atual define o limite máximo de 9 metros -mais 3 metros para a instalação de caixa d'água- para as edificações em todo município. O governador sugeriu a construção de prédios com até 15 metros de altura para abrigar os moradores de áreas de risco.
O modelo faz parte de um plano habitacional, ainda em estudo, que deve ser desenvolvido com urgência para atender às vítimas da tragédia que deixou dezenas de mortos e milhares de desabrigados no litoral norte.
Foi anunciada também a construção de casas geminadas de rápida edificação em parceria com a iniciativa privada. Segundo o governador, a Prefeitura de São Sebastião vai ceder os terrenos.
Outro entrave para as construções é a falta de saneamento básico no município. A maior parte dos bairros não tem acesso a água tratada, e o abastecimento é feito por meio de poços artesianos e canos ligados a rios e cachoeiras. O esgoto é jogado no mar sem tratamento.
Apesar de ter integrado o movimento contrário à construção de prédios em São Sebastião, a Amovila (Associação de Moradores da Vila Sahy, a área mais afetada pelos deslizamentos de terra) vai rediscutir o assunto. "Vamos nos reunir para rever nossa posição", diz o diretor da entidade, Clodomir de Almeida Silva.
Os moradores se encontraram com o governador nesta sexta-feira (24). Tarcísio explicou que só serão demolidas as casas localizadas em área de risco. "Tiveram casas que Deus segurou, Deus segurou mesmo", disse sobre algumas construções que permaneceram em pé após a enxurrada.
Atualmente, para sanar o déficit habitacional da cidade, que atinge cerca de 25 mil pessoas em moradias inadequadas, é preciso construir de 8.000 a 10 mil casas, segundo o engenheiro civil Ivan Maglio, autor do projeto que embasou o Plano Diretor do município. "O atual gabarito de altura máxima permitido é suficiente para abrigar a todos", diz.
Ele elenca dois pontos onde seria possível erguer os conjuntos habitacionais por serem planos e ainda sem uma urbanização consolidada -na praia de Boraceia e na planície do rio Juqueriquerê, que fica na divisa com Caraguatatuba.
Os dois locais, porém, ficam distantes do centro da cidade e seria preciso deslocar cerca de 70 quilômetros as populações que vivem nas encostas próximas das praias onde há maior oferta de empregos e serviços.
Por esse motivo, é preciso atrelar um plano de mobilidade ao projeto de moradias sociais, segundo Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. Ele argumenta que, sem um sistema de transporte eficiente, barato e confortável, as encostas vão continuar a ser ocupadas de forma desordenada. "As pessoas moram em áreas de risco porque precisam e isso é fruto do modelo de ocupação urbana que não privilegia as classes mais pobres", diz.
O professor explica que esse modelo de ocupação inclui agravantes para a exclusão social, entre eles a estrada como elemento segregador entre os bairros ricos e pobres e a falta de oferta de emprego e renda em áreas urbanas consolidadas, como o centro de São Sebastião.
A desigualdade social evidenciada pela ocupação urbana na cidade litorânea é agravada pela fragilidade de leis que regram a ocupação do solo, segundo a urbanista e coordenadora executiva no Instituto Pólis, Margareth Uemura.
"Sem regras claras e consistentes, a ocupação fica ao sabor da oferta do mercado imobiliário", diz. "Não é do interesse da iniciativa privada incluir habitações populares nos projetos de empreendimentos. É papel do estado atender essa faixa", diz.
O projeto de autoria do engenheiro Ivan Maglio foi encaminhado para apreciação dos vereadores no final de 2020, nove anos após ter sido apresentado ao Executivo municipal, em 2011.
A aprovação ocorreu após modificações que incluíram aumentar para 100% a taxa de ocupação das áreas urbanas. "Isso impermeabiliza o solo", diz o engenheiro. A mudança ocorreu sem a devida discussão em audiências públicas, o que levou a questionamentos do Ministério Público.
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