BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Kassio Nunes Marques não cumpriu a promessa de liberar no segundo semestre de 2022 o julgamento pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) de sua decisão individual que autorizou a pesca de arrasto no litoral do Rio Grande do Sul.
O magistrado liberou a prática em dezembro de 2020 em uma ação movida pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. A ordem judicial foi elogiada pelo ex-presidente, mas amplamente criticada por ambientalistas.
Também é alvo de críticas o fato de o ministro segurar a ação há mais de 25 meses sem submetê-la para análise do conjunto da corte.
Em julho de 2022, o magistrado afirmou à Folha de S.Paulo que liberaria o caso para apreciação dos colegas até o fim do ano. O processo, porém, segue parado em seu gabinete. Procurado novamente, o magistrado disse que a causa vai a julgamento antes de junho.
O ministro tomou posse no STF em 5 de novembro de 2020. Menos de dois meses depois, em 15 de dezembro, deu uma decisão monocrática para declarar inconstitucional a lei gaúcha que proibia a pesca de arrasto dentro das 12 milhas náuticas da costa sob o argumento de que cabe somente à União legislar sobre a área marítima.
O magistrado reverteu decisão do ministro aposentado Celso de Mello, que era o relator do processo até se aposentar e abrir a vaga que foi ocupada por Kassio.
Entidades ambientalistas e parlamentares gaúchos têm pressionado o ministro a revogar sua ordem judicial ou submetê-la ao plenário.
Apesar da decisão de Kassio, a pesca de arrasto ainda não foi retomada porque a atividade foi suspensa pela Justiça Federal e pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Especialistas em meio ambiente, no entanto, afirmam que as disputas judiciais em instâncias inferiores têm gerado insegurança jurídica e que é necessário o Supremo afirmar de maneira colegiada e definitiva que legislações estaduais desta natureza não violam a Constituição.
O que é a pesca de arrasto A atividade em questão é uma prática da indústria do setor que ocorre em diversos países do mundo. Uma grande rede é arrastada por barcos por todo o fundo do oceano e recolhe praticamente tudo o que estiver naquela área.
Assim, além dos pescados que são usados para comercialização, outros também acabam sendo pegos pelas redes e, depois, descartados, na maioria dos casos sem vida.
Pescadores afirmam que, como a atividade está suspensa há mais de dois anos, a configuração marítima já mudou e muitos animais que nunca mais avistados na região voltaram a aparecer.
A matéria uniu todo o meio político do Rio Grande do Sul. Líderes petistas, bolsonaristas e de todos os matizes ideológicos se uniram para pressionar Kassio a destravar o tema na corte.
Isso porque, na maioria dos casos, a pesca de arrasto no litoral gaúcho é feita por embarcações que têm sede em Santa Catarina --ou seja, o Rio Grande do Sul fica com o ônus ambiental, mas sem o benefício econômico.
Já em Santa Catarina, políticos têm defendido a decisão. Bolsonaro publicou um vídeo nas redes sociais ao lado do então secretário especial da Pesca, Jorge Seif, e do então senador Jorginho Mello (PL).
No ano passado, Seif se tornou senador, e Mello, governador, ambos na chapa de Bolsonaro.
"A decisão [de Kassio] devolveu aos pescadores de Santa Catarina, Paraná e também do Rio Grande do Sul a possibilidade de continuar essa atividade, que é muito importante para a existência deles. Migrou para Argentina [os peixes] e o prejuízo foi de mais de R$ 300 milhões por ano nas duas safras", disse o atual chefe do Executivo catarinense.
Inicialmente, Celso de Mello rejeitou a ação do PL para retomada da pesca de arrasto no Rio Grande do Sul. O magistrado citou relatórios que apontavam ameaça à capacidade de renovação de estoques pesqueiros e diminuição das capturas.
"A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas, qualificando-se como dever-poder que também se impõe aos estados-membros", destacou Celso à época.
Kassio, porém, teve entendimento oposto e afirmou que não cabia ao ente federado fazer uma legislação que é de competência exclusiva da União.
"Havendo atuação normativa federal na definição de política pública de pesca, a legislação estadual impugnada não poderá ser colidente àquela", disse.
A pesca de arrasto é alvo de polêmicas há muito tempo. De um lado, empresas afirmam que a prática, se realizada da maneira correta, não é nociva ao meio ambiente e ajuda na produção de alimento.
De outro, pesquisadores dizem que a modalidade é prejudicial ao meio ambiente e leva ao desequilíbrio ambiental marinho.
Por causa de um esforço de pesca cada vez maior, determinados tipos de peixe sumiram de perto do litoral em todas as regiões do Brasil. Além disso, por irem para mais longe em busca de novas espécies de animais marítimos, os barcos também acabam destruindo bancos de coral.
Não há estimativa oficial sobre o dano, mas relatos dão conta de que, em área ainda não explorada, 4.000 quilos de coral são capturados em apenas um lançamento de rede.
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