VALE DO JAVARI, AM (FOLHAPRESS) - A presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joênia Wapichana, e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, anunciaram nesta segunda-feira (27) o arquivamento do processo administrativo disciplinar aberto contra o indigenista Bruno Pereira.
Funcionário da fundação, ele foi assassinado em 5 de junho do ano passado em Atalaia do Norte (Amazonas).
O anúncio foi feito durante a visita de autoridades do governo federal à sede da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), entidade na qual Bruno atuava quando foi morto.
Em entrevista dada à Folha de S.Paulo cerca de 40 dias antes de ser morto, Bruno criticou a desestruturação da Funai e afirmou que ele e outros funcionários da entidade estavam sendo perseguidos pela direção.
O indigenista foi coordenador do CGIIRC (Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato) da entidade, mas foi afastado do cargo no governo de Jair Bolsonaro (PL). Com isso, acabou se licenciando da Funai e passou a atuar na Univaja.
Segundo ele disse à Folha de S.Paulo na entrevista, o processo disciplinar foi aberto exatamente para investigar essa saída dele da Funai --a suspeita era que ele estaria atuando contra os interesses do órgão.
Além de Bruno, o jornalista britânico Dom Phillips também foi morto e esquartejado por pescadores que atuavam na pesca ilegal no segundo maior território indígena demarcado do país, o Vale do Javari, na região da fronteira com Colômbia e Peru.
A Polícia Federal investiga se há influência do narcotráfico na atuação de crimes ambientais e nos assassinatos de Bruno e Dom.
"Queremos pôr fim ao ciclo de violência com o Bruno, quando ele foi processado. E exatamente esse processo levou a esse brutal assassinato. Hoje vamos declarar Bruno inocente", afirmou Guajajara.
A ministra anunciou a criação de um comitê permanente para proteção territorial do Vale do Javari com integrantes de órgãos de segurança, ambiental, Funai e da Univaja.
Já a presidente da Funai disse que o arquivamento do processo foi um ato de responsabilidade do Estado, que, por meio de suas instituições, se omitiu e perseguiu um servidor que atuava cumprindo seu dever de proteger os povos indígenas.
"Ele [Marcelo Xavier, que comandou a entidade na gestão Bolsonaro] que deveria estar aqui assinando o arquivamento. Ele tem que se retratar com as famílias de Bruno, de Dom até, por ter se omitido, por ter perseguido e publicado situações expondo-os na mídia no momento mais sensível da família. Tentar criminalizar e tirar suas possibilidades. É o Estado brasileiro que deveria dar segurança. Quem deveria estar pedindo desculpas aqui era o ex-presidente da Funai", afirmou Joenia.
Presentes no evento, as viúvas de Bruno Pereira, a antropóloga Beatriz Matos, e de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, agradeceram aos indígenas por terem se envolvido e liderado as buscas no momento de maior aflição das famílias.
Indígenas kanamari apresentaram cantos da etnia interpretados por Bruno Pereira num vídeo de uma das expedições das quais ele participou na região e que circulou na mídia após seu assassinato.
Beto Marubo, um dos líderes da Univaja, que já sofreu ameaças de morte, destacou que era a primeira vez que ele retornava ao Vale do Javari desde o assassinato de Bruno e Dom e que ainda se sentia inseguro.
Beto listou uma série de ameaças e violências que se repetiram na região contra indígenas após as mortes. "Não mudou nada [depois do assassinato de Bruno e Dom]. Nós estamos acuados aqui. Queremos algo concreto", declarou.
Joenia Wapichana, em sua fala, pediu apoio dos indígenas e disse que, sozinha e com quadro precário de servidores, a Funai não consegue fazer o que é necessário no Vale do Javari e em outros territórios.
"É inadmissível que peguem bens públicos e façam ações criminosas na frente das nossas polícias. É importante trazer isso como alerta. Precisamos de respostas enérgicas e urgentes. Precisamos de todos", afirmou.
A jornalista viajou a convite do Governo do Amazonas.
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