SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nas últimas três décadas, a população do litoral norte de São Paulo mais que dobrou, enquanto a extensão de áreas urbanizadas na região quadruplicou, um ritmo bem acima ao registrado no estado e no país no mesmo período.

A ocupação de encostas no local é um dos reflexos visíveis dessa expansão urbana acelerada e desordenada, com a presença de moradores em áreas de risco sendo fator determinante para a magnitude da tragédia que deixou ao menos 65 pessoas mortas após temporal recorde no último dia 18.

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de habitantes na soma dos municípios de São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba passou de 148 mil, em 1990, para atuais 346 mil.

Considerando ainda as vizinhas Bertioga e Guarujá, cidades da Baixada Santista também afetadas pelas chuvas, a região ganhou 379 mil novos residentes em apenas três décadas e contabiliza hoje um total de 737 mil moradores.

Uma consequência perigosa dessa explosão habitacional foi o aumento das construções em áreas com elevado risco de deslizamento, junto à Serra do Mar. Não apenas de residências, mas também de toda a infraestrutura necessária para os novos moradores, como vias públicas, comércio e serviços.

Isso representa um aumento de 106%, bem acima do crescimento registrado no estado de São Paulo (48%) e no Brasil (45%) no mesmo período.

Dados da rede MapBiomas, especializada na análise da cobertura territorial brasileira, mostram que a extensão das áreas urbanizadas quadruplicou no litoral norte paulista nesse mesmo período, também superando as médias nacional e estadual.

Há três décadas, as cidades de São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba somavam 1.916 hectares de áreas urbanizadas. No ano passado, as construções e coberturas asfálticas já ocupavam 7.531 hectares: um aumento de 293%.

Quando incluídos na conta os municípios de Bertioga e Guarujá, a ocupação urbana na região triplicou, de 4.506 para 13.366 hectares. O crescimento de 197% também é superior às médias paulista (134%) e brasileira (139%) no mesmo intervalo.

O problema é que boa parte da região é geograficamente inadequada para essa expansão, exatamente por causa da Serra do Mar, que limita a faixa plana entre o litoral e o interior.

Em geral, o avanço dos assentamentos -muitos deles em condições precárias- aconteceu em direção às montanhas. É o caso da Vila Sahy, em São Sebastião, local mais afetado pela tragédia.

Metade do bairro faz parte de um aglomerado subnormal. Esse é o termo usado pelo IBGE para definir grupos de habitações em terrenos com padrão urbanístico irregular e carência de serviços essenciais (como água, esgoto, energia e coleta de lixo), além de ausência da posse formal e localização em áreas restritas à ocupação ordenada, como morros e encostas.

De acordo com a Defesa Civil de São Sebastião, existem cerca de 9.000 pessoas vivendo em ao todo 86 áreas de risco na cidade.

A Folha de S.Paulo mostrou que, nos últimos dez anos, o município recebeu pelo menos quatro alertas de diferentes instituições sobre o risco iminente de deslizamentos. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a especulação imobiliária na orla e a falta de investimento em habitações populares empurraram a população mais vulnerável para os terrenos íngremes.

"Essas cidades têm domicílios vazios e áreas ociosas, mas esses espaços não estão ao alcance dos mais pobres, que acabam vivendo em áreas de risco, onde não existe interesse do mercado imobiliário", afirmou o geógrafo Eduardo Marandola Júnior, professor da Unicamp.

O primeiro salto habitacional na região aconteceu entre 1950 e 1970, especialmente em Guarujá. O momento coincide com a construção da rodovia Rio-Santos.

A construção das casas de veraneio e condomínios de alto padrão entre a faixa litorânea e a estrada atraiu mão de obra para as edificações e para o turismo, acelerando a ocupação desordenada de zonas próximas às encostas nos municípios mais ao norte, em direção ao Rio de Janeiro.

Áreas íngremes ao pé das serras, como a Vila Sahy, são especialmente propícias às chuvas orográficas, também conhecidas como chuvas de relevo -quando as nuvens chegam do mar e encontram obstáculos montanhosos. Cientistas afirmam que a ocorrência e a intensidade dos temporais têm aumentado devido à crise climática mundial.

Além disso, o avanço urbano em direção às encostas tende a elevar o risco de deslizamentos de terra devido ao desmatamento, pois as raízes da vegetação são um dos fatores que ajudam a estabilizar o solo.

A região do Sahy teve parte de suas mortes como consequência do desabamento de casas construídas em áreas irregulares, de proteção ambiental e com alto risco de desabamento.

A chuva recorde chegou a 648 milímetros na Barra do Una e a 694 milímetros em Juquehy 2, entre sábado (18) e domingo (19), de acordo com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

O temporal causou inundações, alagamentos e deslizamentos. Do total de mortos, 64 foram encontrados na região da Barra do Sahy, e um em Ubatuba.

As seis cidades decretaram situação de emergência. Segundo o balanço mais recente do Governo de São Paulo, 2.436 pessoas estão desalojadas ou desabrigadas.


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