SÃO SEBASTIÃO (FOLHAPRESS) - O cartaz de boas-vindas continua pendurado na entrada, mas já não há mais previsão de quando a escola municipal Nair Ribeiro de Almeida, perto da praia de Juquehy, vai voltar a receber seus alunos.
Mais de duas semanas após as chuvas históricas atingirem a região de São Sebastião e deixarem 65 mortos, o pátio e o parquinho da escola municipal continuam completamente tomados por lama. Não há como entrar nas salas de aulas sem pisar em uma lama, formada por terra, escombros de casas e esgoto, que deslizou da encosta e invadiu a escola.
Outro prédio, que não foi atingido pela lama, está servindo como centro de distribuição de doações. As salas de aula e os corredores estão cheios de sacolas de roupas, sapatos, toalhas e lençóis.
No quarteirão da frente, a escola estadual Plínio Gonçalves de Oliveira também continua sem saber quando os alunos retornarão para as atividades presenciais. A quadra e parte do pátio da unidade estão cobertas de lama, que além de impedir o uso dos espaços, exala um forte odor.
Apesar de o Governo de São Paulo e a Prefeitura de São Sebastião terem anunciado o retorno das aulas na cidade na última segunda-feira (6), os cerca de 1.500 alunos dessas duas unidades não sabem quando as escolas estarão recuperadas para retomar as atividades.
As duas escolas ficam ao pé de uma encosta que ruiu no último dia 19 de fevereiro. Como as chuvas fortes continuam a atingir a região, a lama segue espalhando pelas unidades.
Para as famílias, a situação gera angústia. Eles querem que os filhos voltem à rotina escolar depois do trauma, mas também temem pela segurança das crianças com o risco de novos deslizamentos.
"Esses meninos viram coisas horríveis, estão assustados e convivem o dia todo com esse trauma. Passam o dia todo ajudando algum parente a limpar lama das casas, ouvem gente contando o que viu naquele dia ou o que perdeu. Eu queria que fossem para a escola para se distraírem, voltarem a pensar em coisas de crianças", conta Verônica Riatt, 51, avó de três crianças que estudam nessas escolas.
Apesar do desejo de volta às aulas, ela diz ter medo que as escolas possam ser atingidas novamente, já que estão coladas à encosta. "Aconteceu uma vez. A gente fica com medo de acontecer de novo e com as crianças lá dentro."
David Juan, 12, é uma das crianças da Vila Sahy que tiveram a casa interditada pela Defesa Civil. Na madrugada do dia 19, ele acordou com os gritos dos pais que se desesperaram ao ver um rio de lama se formando atrás de onde moravam.
Desde aquele dia, ele não voltou mais pra casa. David e a família estão abrigados em uma pousada e se esforçam para recuperar a rotina que tinham antes do desastre.
"Eu queria voltar pra escola, porque não tem nada pra fazer. Eu fico na pousada brincando, mexendo no celular, mas queria ir pra escola, ver meus amigos", conta o menino, que estuda na escola Nair Ribeiro.
Ele também diz ter medo. "Tem um morro bem em cima da escola. Já caiu uma vez, pode cair de novo e não para de chover."
O temor da chuva e de novos deslizamentos se tornou comum entre adultos e crianças da Vila Sahy. Em uma escola municipal que retomou as aulas na segunda, os professores contam que alguns alunos começam a chorar e até se escondem embaixo das mesas e carteiras quando ouvem trovões ou o barulho da chuva.
"Minha filha corre para o colo quando vê que o céu está escurecendo ou começa a cair umas gotas de chuva. Ela está assustada, a vida dela virou de ponta cabeça naquele dia", conta a faxineira Cleide Silva Costa, 37.
Ela tem três filhos, de 6, 10 e 16 anos, e está abrigada com eles na casa do patrão. Para ela, o retorno à escola ajudaria os filhos a voltar para a rotina que tinham antes.
"Estamos seguros nessa casa, mas não é a nossa casa. Na escola, acho que eles se sentiriam mais à vontade, eles sabem que ali é o lugar deles. Eu quero que as aulas voltem, mas preciso ter certeza de que eles vão estar seguros."
As famílias e funcionários das escolas dizem não sentir segurança para o retorno das aulas nos prédios que foram atingidos e esperam que as crianças sejam transferidas para outras unidades ou até outros espaços, ainda que de forma improvisada.
Com o cenário de que a temporada de chuvas se estenda ao menos até o fim do mês, os funcionários dizem não conseguir remover a lama das escolas. Eles se preocupam tanto com o impacto emocional para os alunos de serem recebidos em um local que não conseguem limpar, como com a saúde física das crianças pelo contato com essa lama.
A avó Verônica conta que, apesar dos cuidados e de só estarem consumindo água que recebem de doação, todos em sua casa estão há dias com disenteria.
"Eu estou cozinhando com água de doação, todo mundo só bebe água engarrafada, mas mesmo assim estão todos passando mal há dias, principalmente as crianças. Não sei se é a água do banho ou se é porque não conseguimos nos livrar dessa sujeira, ela está em todo lugar."
A Secretaria Estadual de Educação da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) informou que, em parceria com a Prefeitura de São Sebastião, está busca de um novo local para acomodar os estudantes da escola Plínio Gonçalves. A pasta não informou se há uma previsão para a realocação dos alunos.
Segundo a pasta, a unidade estava preparada para receber os alunos na segunda, mas as fortes chuvas que atingiram a região nos últimos dias fizeram com que a escola fosse novamente atingida pela lama, o que levou à suspensão das atividades.
A secretaria diz que o prédio havia sido liberado para uso pela Defesa Civil, mas o órgão vistoriou a unidade novamente após as chuvas desta semana e emitirá um novo laudo sobre a situação.
Já a gestão do prefeito Felipe Augusto (PSDB) disse que estuda opções para realocar os alunos da escola Nair Ribeiro, também sem informar um prazo para que isso aconteça e as aulas possam ser retomadas.
Segundo a prefeitura, a estrutura da escola foi danificada pelas chuvas e a Defesa Civil ainda não liberou o prédio para o retorno das aulas. A Secretaria Municipal de Educação disse que a unidade está ofertando ensino remoto, com distribuição de materiais didáticos impressos já que muitos alunos estão sem acesso à internet, celular e notebook.
"A prefeitura segue trabalhando para colocar em prática um plano de ação que tenha como prioridade a segurança e bem-estar dos estudantes, estando em contato com os pais e responsáveis sobre as decisões tomadas e buscando retomar o ensino presencial o mais breve possível", diz a administração municipal.
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