BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Estados e municípios acumulam saldos de mais de R$ 25 bilhões em repasses feitos pelo governo federal ao SUS (Sistema Único de Saúde). Esse valor disparou com verbas destinadas ao combate à pandemia de Covid-19 e emendas parlamentares.

Gestores da saúde e pesquisadores consideram que a cifra acumulada reflete diversos gargalos, como a dificuldade de gestão e execução da verba e até mesmo a ingerência política para manter os recursos em caixa e fechar o ano com resultado positivo.

Os recursos provêm do FNS (Fundo Nacional de Saúde), cuja função é irrigar os cofres dos entes da Federação para custeio, investimento e financiamento de ações da rede pública. Do saldo total, R$ 10,3 bilhões estão em contas estaduais. E o restante, com os municípios.

Autores de estudos sobre os saldos, Blenda Pereira e Daniel Faleiros dizem que falta monitoramento por áreas especializadas, como de atenção básica ou vigilância sanitária, do Ministério da Saúde sobre o destino da verba.

"O ministério faz parte da gestão do SUS, não pode só repassar o recurso", disse Pereira, que é doutoranda em saúde pública na USP.

Por outro lado, eles afirmam que é preciso olhar os valores dos saldos com cautela. "Não considero que o volume seja alto. Equivale a cerca de três meses de repasses [do FNS]", afirmou a pesquisadora.

Para o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), "um monitoramento efetivo por parte do Ministério da Saúde para orientação aos entes subnacionais é fundamental".

"Ajudaria a comprovar ou não os fatores apontados acima e daria um suporte técnico aos entes subnacionais, contribuindo assim para uma maior celeridade aos respectivos processos", disse a entidade em nota.

O Ministério da Saúde afirma que a responsabilidade do montante é dos entes da Federação. "Uma vez que os recursos são transferidos, pelo Fundo Nacional de Saúde, aos estados e municípios, sua gestão cabe aos mesmos", disse.

A pasta também ofereceu uma outra hipótese para os saldos: os recursos podem já estar comprometidos, aguardando comprovação de uma obra, por exemplo, para serem executados.

Entretanto, há casos em que um local poderia ficar meses sem receber novos repasses e continuaria com recursos. Não há nenhuma regra determinada pelos legisladores ou gestores para repasses nas situações em que as contas já tenham saldo mais do que 100% superior ao recurso destinado pelo ministério.

É o que ocorre em Goiás. O estado, governado pelo médico Ronaldo Caiado (União Brasil), tem R$ 440 milhões em saldos do FNS. No ano passado, recebeu cerca de R$ 390 milhões e executou R$ 410 milhões. Ou seja, um valor menor do que há em saldo.

"Estes valores [R$ 440 milhões] são provenientes de várias portarias do Ministério da Saúde, que transferiram recursos para a SES-GO [Secretaria da Saúde], e cada um desses instrumentos possui regramento específico de utilização, com objetos definidos", disse a secretaria em nota.

Desse montante, continuou a pasta, cerca de R$ 150 milhões são de recursos destinados à pandemia da Covid-19 e aguardam a finalização de licitações, "cujo trâmite não permite a utilização imediata do recurso".

Goiás teve 28 mil mortes pelo vírus. No auge da pandemia, o sistema de saúde de Goiânia colapsou.

Doutor em economia da saúde pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Daniel Faleiros afirma que há uma cultura do Ministério da Saúde de enviar recursos carimbados para "pequenos planos", o que trava a execução da verba.

"A Saúde chegou a repassar R$ 600 milhões na pandemia que só poderiam ser usados na compra de medicamentos de saúde mental, quando o gasto poderia ter servido para compra de respiradores ou outras ações", disse ele.

Outro estado com saldo muito superior aos repasses é Mato Grosso. Há R$ 571 milhões no caixa. No ano passado, o estado recebeu repasses de R$ 385 milhões.

No mês de melhor execução, Mato Grosso gastou R$ 33,14 milhões do fundo. Nesse ritmo, o saldo duraria por mais de um ano, sem precisar de um novo aporte do ministério.

Parte dos repasses do FNS é obrigatório. Outros recursos são destinados por emendas parlamentares ou para ações definidas durante o ano.

As chamadas emendas do relator, que foram consideradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal), ampliaram distorções no financiamento do SUS.

São Gonçalo, no Rio de Janeiro, tem um dos maiores saldos entre os municípios, de R$ 146 milhões. Essa reserva era de R$ 60 milhões em maio de 2022. O valor mais do que dobrou após a chegada das emendas em junho, meses antes das eleições.

Em nota, a prefeitura disse que há recursos de emendas feitas há mais de cinco anos e que só agora, com regulação pelo Ministério da Saúde, poderão ser utilizados. O valor exato, contudo, não foi compartilhado.

O município diz ainda haver uma crescente demanda por serviços públicos de saúde; por isso, os repasses.

"A atual gestão vem trabalhando com planejamento e otimização dos recursos, a fim de aplicá-los de forma assertiva, para garantir a efetiva melhora na prestação de serviços", afirmou.

O FNS é regido por lei e portarias do ministério. Os recursos que chegam aos entes são carimbados, ou seja, têm destinação específica. Uma regra estabeleceu ainda que, a partir de 2018, só teriam dois objetivos: investimento e custeio.

A portaria que versa sobre o fundo veda a utilização dos recursos para pagamento de servidores, ativos ou inativos, e gratificações. O texto também proíbe o uso do dinheiro para pagar assessorias ou consultorias.

Para investimento, os gestores podem utilizar os recursos na compra de equipamentos, obras de reformas ou construções novas. Esse tipo de gasto costuma ser mais trabalhoso, por exigir licitações e depender de empresas.

São Paulo, por exemplo, tem o maior saldo em contas, com R$ 2,1 bilhões. Mas o estado tem patamares altos de execução, o que mantém o saldo relativamente estável.

Sergipe, por sua vez, é o estado com o menor saldo de recursos do FNS, R$ 43 milhões.

O critério do rateio do FNS está definido em lei e tem como objetivo reduzir desigualdades regionais. Para pesquisadores, as emendas parlamentares ferem esse princípio.

Médico sanitarista e professor da FGV, Adriano Massuda afirma que o SUS deve encontrar caminhos para melhorar a execução dos recursos e atender demandas regionais. Ele cita como uma saída a criação de arranjos de contratação de obras e equipamentos,

O professor diz ainda que verbas de ações prioritárias foram cortadas para acomodar as emendas. "Problema não é o volume do recurso [em saldos], mas a alocação. O SUS é subfinanciado. Esse dinheiro deveria estar alocado em outros lugares."

**REPASSES FEDERAIS DO SUS**

Estados e municípios recebem verbas federais

Verba distribuída em 2022: R$ 101 bilhões

Saldo atual de estados e municípios: R$ 25,8 bilhões em dezembro de 2022

Saldo antes da pandemia: R$ 17,2 bilhões em janeiro de 2020

Maior repasse em 2022: R$ 19,14 bilhões, em junho, sob influência de emendas

Melhor execução em 2022: R$ 9,98 bilhões, em dezembro

Execução dos fundos no ano: cerca de 74,6% em 2022

- Saúde

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