NATAL, RN (FOLHAPRESS) - "O barulho dos tiros parece [estar] dentro de casa", descreve o cozinheiro Sebastião Vicente, 58, sobre como tem sido dormir em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, em meio a uma onda de ataques criminosos que afeta ao menos 21 cidades no estado e que muda a rotina da população há dois dias. "Tem sido muito estressante. As pessoas estão todas com medo", afirma.
O homem era um dos usuários de transporte público que, no início da tarde desta quarta (15), dizia ter "a esperança" de pegar um ônibus para voltar para casa.
Os ataques começaram na madrugada de terça (14) contra veículos, prédios públicos, bancos e lojas. Ao menos sete ônibus foram incendiados e outros dois foram alvejados a tiros no estado. A polícia prendeu 38 pessoas, e um adolescente foi apreendido.
Dois suspeitos morreram, segundo a polícia, em confronto. Um motorista de ônibus foi ferido com um tiro de raspão, e outra pessoa ferida está internada -a polícia não deu detalhes sobre as circunstâncias em que ela foi atingida.
Após fazer as entregas de almoço planejadas para o dia, Vicente aguardou o coletivo no ponto de ônibus por mais de duas horas. Ele ainda não sabia que a frota, retirada de circulação na terça, voltou a ser recolhida na manhã desta quarta.
Os dois sobrinhos dele, de 7 e 11 anos, tiveram as aulas suspensas em uma escola privada. Os filhos do camarista Erivanildo Bezerra, 32, também não tiveram atividades na rede pública.
"Nós esperávamos que as aulas deles começassem nesta semana, mas devido a esses ataques isso não aconteceu", disse Bezerra, que trabalha armazenando alimentos congelados em Natal. Morador de São Gonçalo do Amarante, ele conta que foi de carona para o serviço, mas não sabia como iria voltar para casa. "Estou esperando o ônibus há mais de uma hora e meia."
Para a assistente administrativa Karla Morais, 43, que aguardava uma carona, "o sentimento é de revolta".
"O secretário [de Segurança] disse em uma entrevista que já sabia que haveria esses ataques e nós ficamos assim. Quem paga o preço é a população", disse Morais. "Fui para casa ontem querendo chegar o mais rápido possível. Hoje o medo continua e também somos afetados com a falta de ônibus."
A empregada doméstica Quitéria Silva, 60, que levou 40 minutos a mais para chegar ao trabalho nesta quarta, também sintetizou o que está sentindo. "Está muito difícil. Estou com muito medo."
A frota de ônibus em Natal e região metropolitana começou a circular duas horas mais tarde nesta quarta e acabou novamente recolhida no final da manhã, após confirmação de novo ataque ao transporte público. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores e Transportadores Rodoviários, o episódio foi registrado por volta das 11h no bairro Planalto, zona oeste de Natal.
"Tocaram fogo em um veículo, e a ordem do sindicato é recolher todos os ônibus de Natal e região metropolitana, por tempo indeterminado, sem previsão de retorno hoje. Os ônibus saíram às 6h da manhã para as ruas, mas já havíamos informado que diante do primeiro incidente seriam recolhidos novamente, e é isso o que está acontecendo", disse o sindicato, em nota.
Diante da violência, o governo federal autorizou o envio da Força Nacional de Segurança chegou ao Rio Grande do Norte, e parte da equipe desembarcou no estado ainda na madrugada desta quarta. Apesar disso, o início das ações integradas com a Polícia Militar do RN só deveria ocorrer à tarde.
A operação também recapturou quatro foragidos da Justiça e apreendeu armas de fogo, artefatos explosivos, galões de gasolinas, veículos, dinheiro, drogas e munições.
A terapeuta Patrícia Arboés Petronilo, 52, viu na terça "a fumaça subindo" em um dos episódios de ônibus incendiados. Ela estava no trabalho, em uma unidade de saúde, e descreveu que "todos ficaram acuados".
"Foi bem angustiante. A direção mandou fechar a unidade mais cedo, e hoje não abrimos. Está todo mundo se sentindo tenso, inseguro, preocupado", disse a terapeuta. "Pessoas deixaram de ser atendidas ontem e hoje em função dessa situação, que vai ser controlada, mas enquanto isso a gente vai seguindo desse jeito e ficam as marcas. Não existe reparo para essa afetação."
A Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi-Árido) manteve a suspensão de aulas nesta quarta. A UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), que já havia parado na terça, prorrogou a medida até sexta-feira (17) para os cinco campi no estado, em Mossoró, Assú, Natal, Patu e Pau dos Ferros.
A UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) também anunciou no início da tarde o cancelamento de atividades administrativas e acadêmicas presenciais e disse que emitirá novos comunicados sobre a possível retomada logo que possível.
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