SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um ano após a dispersão que mudou o endereço da cracolândia, antes fixada no entorno da praça Júlio Prestes, na região central de São Paulo, a concentração de usuários de drogas retomou antiga rotina e se consolidou em novo ponto da cidade, no bairro de Santa Ifigênia.

Assim como ocorria nas ruas onde a cracolândia funcionou por décadas, trechos das ruas dos Gusmões, Andradas, Conselheiro Nébias e Guaianases passaram a receber equipes de limpeza da prefeitura, uma estratégia para dispersar os usuários de drogas lá concentrados, ao menos duas vezes por dia para recolher o lixo acumulado. Um caminhão-pipa também percorre as vias com jatos d'água.

Enquanto o serviço é feito em uma das ruas, os dependentes químicos migram para a via seguinte.

No caso da nova dinâmica, a limpeza começa na rua dos Gusmões, entre a rua Conselheiro Nébias e a alameda Barão de Limeira. É quando o fluxo, como é chamada a concentração de usuários, se muda para a rua Guaianases, no próximo quarteirão, e fica lá até as equipes saírem. Em determinadas horas do dia e da noite, os trechos ocupados pela concentração de pessoa têm o trânsito interrompido, e os motoristas são obrigados a usar rotas alternativas.

A rua dos Gusmões é ocupada de novo quando os caminhões e as equipes de limpeza terminam o serviço e seguem para fazer o mesmo na rua Guaianases. De acordo com a prefeitura, são retiradas 20 toneladas de resíduos diariamente das vias da cracolândia.

As ruas da Santa Ifigênia passaram a ser ocupadas de forma mais frequente pelos usuários de drogas há cerca de quatro meses, após reiteradas tentativas de se fixarem em outros pontos, como o estacionamento de uma agência bancária na avenida Duque de Caxias, o quarteirão da rua Helvétia na esquina com a avenida São João e, também, a rua Doutor Frederico Steidel.

Essa movimentação é vigente desde a operação policial que esvaziou a praça Princesa Isabel para prender traficantes e dispersar usuários de drogas, em maio do ano passado. Cerca de dois meses antes, em 17 de março, a cracolândia deixou de ocupar ruas no entorno da praça Júlio Prestes, que ficaram desertas em um único final de semana.

Procurado, o secretário-executivo de Projetos Estratégicos da prefeitura, Alexis Vargas, nega a existência de uma única concentração de dependentes químicos no centro da cidade. Segundo ele, "três ou quatro" ruas são ocupadas atualmente.

"Todo dia eles estão ali na esquina da rua dos Gusmões com a Nébias, ou em uma quadra para cima, mas a gente não pode dizer que o fluxo está fixo no mesmo lugar", disse ele. "Temos pontos [de aglomeração] que se repetem, mas não no mesmo período e na mesma intensidade."

Responsável pela zeladoria das ruas do centro, o subprefeito da Sé, coronel Alvaro Batista Camilo, afirmou que está em estudo pelo grupo de trabalho formado por integrantes da prefeitura e do governo estadual uma estratégia para impedir a permanência dos usuários de drogas em um ponto. "A ideia é que não permaneçam por muito tempo. Essa é a visão de futuro do grupo de trabalho."

Outro indício de que a cracolândia se estabeleceu no novo endereço é o aparecimento cada vez mais frequente de barracas e lonas em meio aos usuários de drogas. As estruturas são retiradas pelos agentes municipais durante as ações de limpeza na cracolândia porque, segundo investigações policiais, são usadas pelos traficantes para esconder a venda de drogas das câmeras de vigilância e de drones da GCM (Guarda Civil Metropolitana).

Moradores ouvidos pela reportagem relatam que toldos de estabelecimentos comerciais também são utilizados para abrigar o tráfico e consumo de drogas. Na rua Guaianases, ao menos sete guarda-sóis são montados diariamente, um ao lado do outro, sob a marquise de um prédio. Debaixo deles, pedras de crack são expostas em mesas e caixotes.

Durante a noite o fluxo migra para outro quarteirão na rua dos Gusmões, entre as ruas dos Andradas e do Triunfo, onde permanece até o horário em que os comerciantes começam a abrir as lojas pela manhã. Moradores dizem sofrer com o barulho durante toda a madrugada e com a recorrente falta de energia na rua por causa do roubo de cabos.

A nova dinâmica tem provocado mudanças relevantes no entorno. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que ao menos 23 comerciantes fecharam as portas na região nos últimos três meses em função da presença dos usuários de drogas. Segundo eles, a mudança deixou o entorno mais perigoso o que afugentou os clientes.

A maior parte dos estabelecimentos comerciais que deixaram as ruas do centro são lojas e oficinas de motopeças, mas há também uma agência da Caixa Econômica e um restaurante italiano que funcionava desde 1971 na rua Aurora que deixaram os endereços.

Uma das explicações do coronel Camilo para a saída da cracolândia do entorno da praça Júlio Prestes, há um ano, são as operações rotineiras da Polícia Civil desencadeadas em junho de 2021. A cada incursão, traficantes eram presos e drogas, apreendidas, o que sufocou o comércio de crack, segundo ele.

Desde o início da nova gestão da 1ª Delegacia Seccional do Centro, responsável pela cracolândia, no começo deste ano, as ações em meio ao fluxo de usuários, batizadas de operação Resgate, tornaram-se menos frequentes. A última ocorreu há cerca de um mês.

Procurada para comentar a situação atual da cracolândia, a 1ª Delegacia Seccional do Centro afirmou que tem feito prisões recorrentes para coibir o tráfico de drogas na região. Desde janeiro, 20 pessoas foram detidas, sendo 14 por comércio de entorpecentes. No mesmo período, houve a apreensão de 42 quilos de droga, segundo a seccional.


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