MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) precisou retirar um servidor de seu local de trabalho -uma reserva extrativista na Amazônia- em razão de ameaças de morte atribuídas a operadores do garimpo ilegal na região. Uma decisão da Justiça do Amazonas a favor de um garimpeiro agravou a situação, segundo organizações com atuação na área.
Manoel Silva da Cunha é coordenador da reserva extrativista Médio Juruá, uma área de 287 mil hectares -quase o dobro do tamanho da cidade de São Paulo- na região de Carauari (AM). Em razão de ameaças e tentativas de intimidação a ele e à família, o ICMBio o retirou da região e o levou a um local não revelado.
"Ele está em segurança", disse o órgão, em nota. "O instituto condena veementemente as ameaças sofridas pelo servidor e entende como reais os riscos de vida."
Reservas como a Médio Juruá são terras da União destinadas a populações extrativistas tradicionais. Entre essas populações estão indígenas, ribeirinhos e pequenos agricultores. A fiscalização é uma atribuição do ICMBio.
Na Médio Juruá, o extrativismo está voltado principalmente para atividades de manejo do pirarucu, açaí e andiroba. A região, bastante preservada, sofre com ofensivas do garimpo ilegal, praticado por meio de dragas.
Em novembro de 2022, uma operação da PF (Polícia Federal) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com apoio do ICMBio, promoveu a apreensão de equipamentos do garimpo na região de Itamarati (AM), cidade que também fica na margem do rio Juruá -a reserva Médio Juruá fica entre os dois municípios.
Houve destruição de uma balsa do garimpo e apreensão de uma lancha, que daria suporte à balsa, conforme os órgãos de fiscalização.
O termo de depósito da lancha foi lavrado em nome de Cunha, por ser o servidor do ICMBio responsável por gerir a reserva extrativista. O veículo ficou sob a guarda do órgão e assim permanece.
Em dezembro, o homem que se diz proprietário da lancha ingressou com uma ação na Justiça do Amazonas e disse que o bem havia sido levado por Cunha -sem mencionar que ele é um funcionário do ICMBio e sem dizer que havia ocorrido uma operação contra garimpo ilegal. Ele pediu para reaver o bem.
O juiz Francisco Carlos de Queiroz, plantonista na 14ª Vara Cível e de Acidentes do Trabalho em Manaus, proferiu uma decisão liminar em 16 de dezembro com ordem de restituição imediata da lancha ao proprietário. O magistrado autorizou o uso de força pela PM para cumprimento da decisão.
No último dia 17, o Fórum Território Médio Juruá, que reúne organizações que atuam na região, comunicou o MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas sobre a existência da decisão judicial e sobre os riscos de o episódio alimentar ainda mais ofensivas de garimpo ilegal na área.
O MPF afirmou, em petição encaminhada à Justiça Federal, que o homem que reivindicou a lancha -Dilvan Lucio Simioni- omitiu da Justiça do Amazonas a existência de uma operação da PF, a apreensão feita por um servidor público federal no exercício de suas funções e que esse servidor era apenas um fiel depositário em nome do ICMBio, não alguém que tivesse se apropriado da lancha.
A Justiça Federal, no dia 18, determinou a suspensão da devolução da lancha. O comando-geral da PM do Amazonas foi oficiado para que não atuasse em ações de força que garantissem essa restituição.
À reportagem, o juiz Francisco Queiroz disse que acatou a decisão da Justiça Federal e proferiu nova decisão para suspensão da restituição da embarcação. "A data do pedido feito era próxima ao início do recesso forense, o bem poderia desaparecer. Nos autos, não constam esses fatos todos", afirmou o magistrado.
Segundo Queiroz, a omissão do autor da ação pode ter sido "leviana". "A lancha envolvida é uma questão da Justiça Federal. A Justiça comum não tem competência. Esse é um caso clássico de omissão para tirar vantagem. Fui tomado de surpresa sobre essa situação."
No dia 6, a Justiça Federal no Amazonas condenou Simioni e outros envolvidos por exploração ilegal de ouro na região de Maués (AM).
Simioni disse à reportagem ter sido "ludibriado por advogados", no caso relacionado à sentença. Ele chegou a ficar preso por seis dias. "Comprei a terra em 2014, e as licenças [para operação do garimpo] eram falsas", afirmou.
No caso da lancha, Simioni disse ter emprestado a embarcação a uma pessoa para pescar, e ela acabou perdendo o veículo. "Quem me deve a lancha é ele. Nunca teve garimpo naquela região. Em Maués, sim, houve."
Questionado sobre ter ludibriado a Justiça, ele respondeu: "Eu tenho só a quarta série, não posso dizer se a Justiça foi ludibriada. Eu nunca estive presencialmente com o advogado [que fez a petição à Justiça]". Simioni disse não ter conhecimento sobre ameaças feitas ao servidor do ICMBio.
Segundo o Fórum Território Médio Juruá, Cunha e familiares vinham recebendo cada vez mais ameaças de morte. "Há vários relatos sobre a presença de pessoas encapuzadas, de fora das comunidades, que vêm perguntando por seu paradeiro ao longo do rio Juruá."
As ameaças são uma represália por ações contra o garimpo e uma sensação de impunidade pode reavivar atividades de exploração ilegal de ouro na região, disse o fórum. "O garimpo ilegal é uma atividade que ocorre no entorno da reserva e que pressiona a unidade", afirmou o ICMBio em nota.
Esta é a segunda denúncia de ameaças de morte numa reserva extrativista em menos de duas semanas.
O outro caso ocorreu na reserva Tapajós Arapiuns, na região de Santarém e Aveiro, oeste do Pará.
A atuação do governo Jair Bolsonaro (PL) a favor da exploração de madeira sem consulta prévia a comunidades tradicionais alimentou conflitos e divisões na unidade de conservação, que é uma das maiores reservas extrativistas da Amazônia brasileira.
A animosidade chegou ao ápice no último dia 3, com compartilhamento de áudios de WhatsApp com ameaças de morte a lideranças indígenas e extrativistas que representam comunidades da reserva.
Em um dos áudios, um homem, em referência a uma líder mulher, diz ter falado a ela em uma reunião que iria "meter um projétil no miolo dela" caso ela não "cumprisse com a palavra".
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