PORTO ALEGRE, RS E CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O tribunal do júri de Três Passos, no noroeste do Rio Grande do Sul, condenou mais uma vez o médico Leandro Boldrini, pelo assassinato do seu filho, Bernardo. O menino de 11 anos foi morto em abril de 2014.

Boldrini foi condenado nesta quinta (23) a uma pena total de 31 anos e 8 meses de reclusão pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado (motivo torpe, motivo fútil, emprego de veneno e dissimulação) e falsidade ideológica. Ele foi absolvido do crime de ocultação de cadáver.

O Conselho de Sentença foi formado por sete jurados, seis homens e uma mulher. Eles se reuniram no salão do júri depois de ouvir os argumentos finais do Ministério Público e da defesa de Boldrini, e, por volta das 19 horas, a juíza Sucilene Engler Audino anunciou o resultado.

O pai foi apontado pelo Ministério Público como o mentor intelectual do plano que levou à morte do filho. Ele nega.

Foram quatro dias de julgamento. Boldrini já havia sido condenado em 2019 a 33 anos e 8 meses de prisão em regime fechado por homicídio qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. Porém a decisão foi anulada em 2021 por entendimento dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de que houve irregularidades no interrogatório de Boldrini pela Promotoria, que teria feito perguntas e afirmações sobre o réu mesmo ele optando por ficar em silêncio.

O novo julgamento, iniciado na segunda-feira (20), teve três dias de depoimentos de testemunhas de acusação e de defesa. O primeiro dia foi marcado pela exibição dos vídeos recuperados pela perícia do celular de Boldrini, em que Bernardo é filmado pelo pai pedindo socorro após uma briga, e áudios de ligações interceptadas pela polícia posteriores ao desaparecimento do menino. Em um deles, ao discutir com um tio materno de Bernardo, Boldrini afirma ter certeza de que a esposa havia voltado para casa com menino, ocasião em que ele foi assassinado.

Entre as testemunhas de acusação, depuseram as delegadas envolvidas no caso, que apontaram o comportamento de Boldrini posterior ao desaparecimento como estranho a quem havia perdido o filho e preocupado mais com a sua defesa do que com a morte do menino após o aparecimento do corpo. Em seu depoimento, a psicóloga de Bernardo, Ariane Schmitt, definiu o menino como "órfão de pai vivo", e relatou ocasiões em que Bernardo chegou às sessões sozinho, dopado e com sinais de pneumonia.

As testemunhas de defesa de Boldrini deram depoimentos de que nunca haviam presenciado agressões do pai ao filho e de que os problemas teriam começado somente a partir do casamento dele com Graciele. A última testemunha foi o primo de Boldrini, Andrigo Rebelato, que relatou conversas posteriores ao crime em que Boldrini havia afirmado ser inocente e pedido ajuda.

Boldrini, assim como em 2019, não foi interrogado. Desta vez, alegou não ter condições de saúde.

Bernardo foi encontrado morto após ficar dez dias desaparecido. Seu corpo estava num matagal, dentro de um saco, enterrado em Frederico Westphalen (RS). Leandro Boldrini, Graciele Ugulini, esposa de dele e madrasta de Bernardo, Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele, e Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia, foram condenados pelo crime em 2019.

No entendimento do júri de 2019, Graciele, com o auxílio de Edelvânia, matou Bernardo com uma injeção de uma superdosagem de um medicamento para dormir. As duas depois enterraram o corpo do menino em um matagal do município vizinho. Evandro, por sua vez, foi condenado por ter ajudado a cavar a vala em que Bernardo foi enterrado dias depois. O pai teria sido o mentor do crime ao lado da esposa.

Desta vez, a defesa de Boldrini foi feita pelos advogados Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares. Eles argumentaram que o cliente seria um "um pai ausente, que trabalhava demais", mas não teria envolvimento na morte do filho. Disseram ainda que não havia "prova cabal" do envolvimento de Boldrini, dado que o laudo pericial sobre a assinatura de Boldrini na receita médica do medicamento introjetado em Bernardo foi inconclusivo.

Prevaleceu, todavia, a tese do Ministério Público de que Boldrini teve, sim, envolvimento direto na morte do menino. Os promotores Lúcia Helena Callegari e Miguel Germano Podanosche defenderam que Boldrini teria dado a receita do medicamento usado para dopar o menino e que ele teria apagado os vídeos do telefone celular em Bernardo pedia socorro, posteriormente recuperados pela perícia.

O comportamento de Boldrini ao longo dos dias em que o filho esteve desaparecido também foi usado para reforçar a tese de que o pai não havia se esforçado em procurar o filho por supostamente já saber que ele estaria morto.

A mãe de Bernardo, Odilaine Uglione, morreu em 2010. O pai se casou novamente com Graciele, com quem teve uma filha. Em 2013, o menino procurou ajuda, por conta própria, no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Três Passos, o que levou o Ministério Público a ajuizar uma medida protetiva. O menino pedia mais atenção do pai e permissão para brincar com a irmã, o que seria proibido por Graciele.

A avó de Bernardo, mãe de Odilaine, chegou a formalizar um pedido de guarda do neto, mas, em janeiro de 2014, Boldrini pediu ao Juizado da Infância e da Juventude uma chance de reaproximação com o filho. Pai e filho teriam uma nova audiência marcada para 14 de maio, cerca de um mês após o assassinato.

Graciele foi condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, com previsão de progressão de regime em 2026. Edelvânia foi condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão, mas obteve direito a cumprir pena em regime semiaberto em maio do ano passado. O irmão de Edelvânia, Evandro, foi condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e está em liberdade condicional.

Apesar da anulação do júri de 2019, Boldrini teve a prisão preventiva mantida. O último recurso pedindo a sua liberdade foi negado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em dezembro de 2022, e ele seguiu na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (RS), onde deve seguir o cumprimento da pena.


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