SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Primeira greve enfrentada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), desde que assumiu o cargo em 1º de janeiro, a paralisação dos metroviários expôs dificuldades da gestão em administrar a crise.

Em meio a um desencontro de decisões, que rendeu multa de R$ 100 mil ao Metrô, a negociação com os trabalhadores terminou sem acordo, e os trabalhadores voltam a parar nesta sexta (24).

A Prefeitura de São Paulo decidiu suspender o rodízio de veículos nesta sexta. Com isso, veículos cujas placas terminam com 9 ou 0 podem circular normalmente pelo centro expandido. Além disso, prefeitura e governo estadual decretaram ponto facultativo para os servidores públicos.

A greve foi anunciada na noite de quarta (22). Naquele dia, em meio às negociações entre governo e o Sindicato dos Metroviários, uma decisão do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) acatou a possibilidade, proposta pelo sindicato, de liberar as catracas em caso de paralisação, como forma de minimizar o impacto para a população.

Mais tarde, porém, uma nova rodada de negociações terminou sem acordo entre as partes. Na noite de quarta, o sindicato realizou uma assembleia, e a greve foi aprovada pela categoria. Com isso, os portões das estações das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha do metrô amanheceram fechados nesta quinta (23). A linha 15-prata, do monotrilho, também parou.

Pegos de surpresa, passageiros se aglomeravam em frente às estações ainda na madrugada. O rodízio de veículos foi suspenso, e a SPTrans, da prefeitura, reforçou a frota com mais ônibus nas ruas, prolongou itinerários e criou linhas emergenciais para atender a demanda. Como reflexo, a capital registrou congestionamento acima da média pela manhã e no fim da tarde desta quinta.

Às 8h30, foram 846 km de fila nas vias da capital ?o recorde do ano para o período matutino. O congestionamento voltou a ser grande, atingindo 823,2 km às 19h, aumento de 11,8% em relação à média para o dia e o horário.

Na manhã desta quinta, a Justiça concedeu liminar na qual determinou a retomada de no mínimo 80% da operação no metrô. A circulação dos trens, contudo, só começou a ser retomada após as 17h, em alguns trechos, após embates e troca de acusações entre governo e sindicato.

Os metroviários disseram que o governo Tarcísio mentiu ao dizer que liberaria as catracas ao mesmo tempo em que ingressava com pedido de liminar na Justiça. O estado, por sua vez, afirmou que os funcionários descumpriram o acordo e não voltaram aos postos de trabalho como combinado.

"Nas primeiras horas do dia, o Metrô comunicou ao Sindicato dos Metroviários a autorização para o funcionamento do sistema com liberação total das catracas, com o retorno imediato de 100% dos metroviários para garantir a segurança dos passageiros. Esta liberação era uma condição do Sindicato para o retorno da operação, atendida pelo Metrô e não cumprida pelos metroviários", declarou o Metrô, em nota na noite de quinta.

Às 9h11, o governo divulgou uma nota oficial informando que havia aceitado a liberação total das catracas nas estações de metrô. Nas redes sociais, Tarcísio republicou a mensagem do governo.

Quando isso ocorreu, porém, o Metrô já tentava derrubar a medida na Justiça a liberação das catracas. A companhia havia protocolado, às 7h15, um pedido de liminar no TRT-2 para impedir a viagem gratuita.

Já a decisão na qual a Justiça ordenou a retomada das atividades foi publicada às 10h18.

Presidente do Sindicato dos Metroviários, Camila Lisboa afirmou que houve má-fé do governador Tarcísio e do presidente em exercício do Metrô, Paulo Menezes Figueiredo, que enviou uma carta para o sindicato concordando com a catraca livre desde que 100% dos funcionários voltassem ao trabalho.

"Quase meio-dia e não vinha autorização do Metrô. Enquanto isso, Tarcísio mentiu para população, para imprensa e para os funcionários, porque ao mesmo tempo em que dizia que teria catraca livre, fez um pedido na Justiça", disse Lisboa.

A categoria reivindica o pagamento de abono salarial, para repor o não pagamento das PRs (participação nos lucros) de 2020 a 2022. Pede, ainda, a revogação de demissões por aposentadoria e outros desligamentos realizados em 2019, além de novas contratações. As negociações entre governo e sindicato começaram em 11 de janeiro.

"Queremos abrir negociação com o Tarcísio, governador que teve um aumento no seu salário de 50%", acrescentou a presidente do sindicato, em relação à medida aprovada pela Assembleia Legislativa.

O Metrô voltou afirma que "considera incompreensível a postura do Sindicato dos Metroviários".

"A companhia tentou todas as formas de negociação, inclusive com a concessão de benefícios como o pagamento de progressões salariais. A empresa também cumpre integralmente com o acordo coletivo de trabalho e as leis trabalhistas e considera incompreensível a postura do Sindicato dos Metroviários que acabou punindo o cidadão que depende do transporte público para ir ao seu trabalho, com impactos diretos em serviços como saúde e segurança, por exemplo", diz trecho da nota.

A juíza Eliane Aparecida da Silva Pedroso, do Tribunal Regional do Trabalho, decidiu multar o Metrô em R$ 100 mil pelo que apontou como "conduta antissindical", argumentando que a companhia anunciou liberar catracas e pediu liminar contra a própria decisão.

O Metrô diz que todos seus atos ao longo da paralisação nesta quinta foram respaldados por decisões judiciais e em benefício da prestação do serviço à população.

O impasse entre o governo e os metroviários continuava na noite desta quinta. Por volta das 23h, o sindicato ainda discutia se manteria a greve e se insistiria na tentativa de liberar as catracas.

Segundo o sindicato, a companhia manteve a posição de que não atenderá a reivindicação de pagamento de abono salarial nem de revogação de demissões. Após a oferta de uma solução intermediária do Ministério Público do Trabalho, a categoria deu ultimato até as 23h para que a empresa se manifestasse.

À reportagem o diretor de operações do Metrô, Milton Gioia, disse que a empresa não conta com dinheiro em caixa para se comprometer com as reivindicações dos funcionários. Segundo ele, o serviço ainda não recuperou a demanda de quase 3,8 milhões de passageiros, registradas antes da pandemia de Covid.

"O Metrô faz esforços muito grandes para não atrasar um dia o pagamento dos funcionários. Durante a pandemia, mesmo com uma recessão muito forte, não medimos esforços para não atrasar um dia o salário de nenhum empregado", disse Gioia.

"O abono é um pedido a mais que o Sindicato está fazendo, e não temos condições financeiras de bancar este abono."

PASSAGEIROS TÊM DIA DE SUFOCO E INCERTEZA

A greve anunciada pelos metroviários começou à 0h desta quinta e tinha previsão de durar 24 horas.

Na estação da Luz, no centro, milhares de pessoas encararam aglomeração logo no início da manhã, no desembarque e nos acessos a outras linhas de trem e da linha 4-amarela ?esta, privatizada, não havia sido afetada. Muitos passageiros não sabiam que a linha 1-azul estava fechada e precisavam enfrentar fila para sair da estação ou voltar aos trens.

Um homem tentou pular uma grade, caiu e bateu a cabeça. Ele foi atendido por agentes do metrô no local, e os passageiros desviavam da poça de sangue que se formou.

Outras pessoas tentam a sorte para ir ao trabalho. Foi o caso da auxiliar administrativa Laura Stefany, 23, que mora em Itaquaquecetuba e usa o trem para chegar ao metrô e desembarcar na estação Vergueiro. Ela inicia o expediente todos os dias às 8h, mas nesse horário ainda aguardava na estação. "Vi as notícias hoje cedo, mas decidi vir e ver o que fazer", disse ela, que estava acompanhada de dois amigos. "Decidimos pegar um Uber."

Com a alta demanda, os preços das corridas nos aplicativos de transporte estavam bem mais altos que o normal. Quem saía da Luz em direção à estação Vergueiro, caso de Laura, pagava R$ 55 nesta quinta, mas o valor costuma ficar em torno de R$ 20 em um dia comum.

Já a aposentada Edinalva, 72, pedia informações a um agente sobre como voltar para Mogi das Cruzes. "Precisava ir a uma consulta, mas não tem condição, vou embora. Ainda tem essa fila enorme para voltar para o trem", disse ela, que não informou o sobrenome.

Quem optou pelo ônibus pegou filas e princípios de confusão.

Na saída da estação da Luz, passageiros forçaram a porta de um ônibus já lotado para tentar embarcar. O grupo conseguiu abrir metade da porta e xingava o motorista, que se recusava a sair com o veículo aberto.

Atrás dele, outro coletivo aguardava na mesma situação.

"Os ônibus passam aqui e nem abrem a porta, de tão cheios. Vamos ver a hora que consigo chegar", disse Antoniel Oliveira, 31, que trabalha com manutenção de elevadores e tentava chegar a Moema. Ele contou que estava havia uma hora no ponto, sem conseguir embarcar.

No Parque Dom Pedro, na região central da capital, a telefonista Ingrid dos Santos, 21, também aguardava havia mais de hora pela condução. Ela contou que normalmente vai de trem de Guaianases, zona leste, até a Luz, onde embarca na linha 1-azul até a estação Paraíso.

"Vim tentar esse ônibus, só que essa linha acompanha o trajeto do metrô e tem poucas unidades. Não passou nenhum ainda", disse.

À tarde, com a possibilidade de retomada da operação, alguns passageiros decidiram aguardar a abertura dos portões na estação Barra Funda.

O estudante de gestão financeira, Derick de Farias, 19, disse que resolveu tentar a sorte. Ele tinha esperanças de embarcar na Barra Funda em direção à universidade, próxima à estação Belém, na zona leste, para assistir às aulas noturnas. "As aulas da tarde eu já perdi, mas o problema é voltar para casa. Eu moro em Itapevi e dependo muito do metrô."


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