SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Triplicou o número de pessoas em situação de vulnerabilidade que pediram ajuda à Prefeitura de São Paulo para retornar às suas cidades natais. São solicitações de quem está em situação de vulnerabilidade, como morar na rua, violência doméstica ou até que perdeu a casa nas chuvas, por exemplo.
O programa Beneficio Eventual de Passagem emitiu 623 bilhetes de ônibus a cidadãos que pleitearam essa assistência na capital paulista em 2021. No ano seguinte, foram 1.954 viagens. Os destinos mais requisitados são o interior de São Paulo e várias cidades na Bahia. O pedido só pode ser feito uma vez.
Uma das explicações para a alta é a pandemia, de acordo com Luiz Fernando Francisquini, coordenador de gestão de benefícios da SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social). Outra razão, segundo ele, foi o desenvolvimento de um novo modelo de gestão do auxílio, consolidado a partir de agosto de 2021.
"[A alta nos pedidos] tem relação com os efeitos socioeconômicos da pandemia, que deixou muitos desamparados. Algumas pessoas se sentiram sozinhas e sem apoio. Então decidiram voltar para suas famílias. Mas também há relação com a reorganização e maior transparência do benefício, que ficou mais ágil e acessível."
A verba anual do programa é de R$ 650 mil, segundo Francisquini. O tempo de emissão de passagens pode variar, ele diz, já que a prefeitura faz análise da situação do beneficiário, liga para parentes no destino para saber se a pessoa tem uma rede de apoio, se terá onde ficar e outros critérios. Em seguida, o bilhete pode ser emitido. Neste ano, até 8 de março, foram 89 bilhetes.
"É um benefício numa situação eventual, que está disponível a qualquer época do ano para as famílias e cidadãos que estão em situação temporária de vulnerabilidade ou risco. Não é um auxílio voltado para um segmento específico, está disponível para toda a população", afirma o coordenador.
O número de passagens emitidas pelo serviço da prefeitura também aumentou, diz Francisquini, porque antes de 2021 quem necessitasse do benefício deveria se dirigir ao Cras (Centro de Referência de Assistência Social) Rodoviária, no terminal Tietê, na zona norte da cidade.
No novo modelo, os 54 Cras, além dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social e Centros Pop, viraram postos para abrir o processo de solicitação da passagem.
O balconista Ramon Nascimento Passinho, 43, solicitou sua passagem na primeira semana de fevereiro no Centro Pop Rua Mooca (zona leste de SP), onde foi acolhido. Ele embarcou no dia 28 daquele mês na rodoviária do Tietê (zona norte), rumo a Salvador (BA), onde mora sua família.
A jornada do soteropolitano começou sete meses antes, quando ele iniciou um relacionamento com uma carioca que passava férias na cidade e se mudou com ela para o Rio com a promessa de trabalhar ao lado do cunhado. Com o término do namoro, ele decidiu voltar à capital baiana, mas não tinha dinheiro e passou a morar em casas de acolhida.
Sem apoio para uma passagem de ônibus, Passinho arrecadou R$ 100 e foi para São Paulo, onde ouviu falar do programa municipal que concedia esse benefício. Mas quando ele chegou, foi assaltado na praça da Sé, região central, e até sem celular ficou.
"Mas fui muito bem acolhido em São Paulo nesses 21 dias, pensei em ficar e arrumar um emprego, mas não me adaptei. Decidi ir embora quando falei com minha mãe e retomar minha vida, onde tenho minha história. A prefeitura me conseguiu a passagem em 15 dias. Fiquei feliz com a ajuda rápida."
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), reconhece que as mudanças aconteceram após um pedido do padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, para agilizar o processo da emissão das passagens.
"A gente já tinha esse benefício, mas ele era centralizado, difícil para muitas pessoas irem até o posto da rodoviária. O padre cobrou mais agilidade, disse que, às vezes, as pessoas vêm para cá atrás de um sonho e não conseguem realizar e, assim, querem voltar para sua cidade, para seu estado", afirma Nunes.
O padre Julio lembra do caso de dois rapazes que estavam tristes e sofrendo porque a espera para a emissão de passagens do programa da prefeitura era longa, segundo ele, de mais de 30 dias, e que eles não estavam acostumados a viver em situação de rua.
"É muito mais custoso e danoso humanamente ele ficar numa cidade esperando um ou dois meses [por uma passagem da prefeitura]. A gente reclamou muito do programa porque ele era burocratizado. Quando acabou o contrato com a entidade, a gente pressionou muito", afirma o padre Julio.
Segundo ele, no entanto, esses números de emissão de passagens ainda estão muito abaixo da necessidade. Outra questão a avaliação, para ele, não é humanizada.
"Muitas vezes o indivíduo foi roubado e perde o contato dos parentes. O que precisa é ter uma relação humana, inclusive na hora da avaliação, que não deve ser burocrática porque, do contrário, as soluções serão burocráticas."
O prefeito diz que agora, com as mudanças no programa, os cidadãos que necessitam do bilhete de ônibus rodoviário podem fazer a solicitação onde já passam por acompanhamento do serviço assistencial.
"Se for um pedido dele, um desejo dele, o processo começa já na hora. Quanto mais humanizado, mais próximo da necessidade de cada um."
Francisquini afirma que 15% dos beneficiários não embarcam e há várias razões, inclusive pessoas que não aceitam deixar seus animais para trás. Ele lembra do caso de um homem que solicitou o benefício, mas se recusava a viajar sem seu cachorro.
"A equipe técnica falou que não dava para levar o cão, mas insisti. Às vezes o serviço [público] é muito duro, mas fomos atrás e conseguimos que o animal embarcasse."
Para Nunes, não dá para ver todos os casos com uma única visão, cada um tem sua necessidade. "Então se ele tiver cachorro, passarinho, temos procedimentos para os animais viajarem com seus donos. A questão de escutar é importante. Se eu não escutar o padre Julio, que está no dia a dia e tem uma sensibilidade maior, não faz sentido."
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