BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Petrobras tenta conseguir o licenciamento do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis) para iniciar a perfuração da foz do rio Amazonas em busca de petróleo mesmo na ausência de estudo recomendado pelo órgão.
No final de janeiro deste ano, o instituto emitiu um parecer técnico no qual conclui que "são necessárias informações complementares e providências adicionais para o prosseguimento do processo de licenciamento ambiental".
A conclusão traz uma série de considerações, dentre elas a ausência de uma avaliação ambiental estratégica, ou seja, que faça uma análise dos impactos ambientais da atividade para a região potencialmente afetada.
Em uma manifestação no último dia 21, anexada ao processo de licenciamento, a Petrobras argumenta que a fase de perfuração é apenas preliminar, de curta duração e para averiguar a existência de uma reserva no subsolo.
A empresa defende no documento que, como os impactos ambientais aconteceriam apenas nas fases seguintes da operação -como na instalação de bases e na própria extração do petróleo-, não deveriam ser considerados neste momento do licenciamento.
"As transformações socioambientais mais abrangentes podem vir a se tornar realidade na fase de produção e escoamento", diz a empresa.
A manifestação do Ibama chama a atenção especialmente para a ausência de uma avaliação ambiental de área sedimentar, chamada AAAS, que é um estudo feito por meio do solo que analisa se a região, e não só o bloco específico da perfuração, é apta ou não para ser explorada -considerando as características do meio ambiente.
A AAAS -como também o EAAS, estudo ambiental de área sedimentar, instrumento complementar- é de competência conjunta do Ministério de Minas e Energia e o do Meio Ambiente, e não é parte obrigatória do licenciamento ambiental.
No entanto, na visão de ambientalistas e membros do Ibama ouvidos reservadamente, o ideal era que os estudos estratégicos fossem realizados ainda antes dos leilões. Dessa forma, quem adquire um bloco já o faz consciente das possíveis limitações ambientais para sua exploração.
No parecer técnico de janeiro, o instituto reclama que, mesmo o leilão do bloco 59 tendo ocorrido há dez anos, em 2013, "não se compreende por que não fora realizada uma AAAS" na bacia do Foz do Amazonas "a despeito das complexas questões socioambientais apontadas previamente" e dos "diversos pareceres emitidos neste e em outros processos de licenciamento ambiental que envolvem a região".
Em seu posicionamento, a Petrobras reitera que não há obrigatoriedade legal para a realização de uma AAAS, mas que foram realizados outros estudos de impacto para a região que podem ser utilizados.
A estatal argumenta que possui "experiência na utilização de instrumentos aplicáveis para empreendimentos de maior complexidade ou com maior grau de incerteza".
Diz, ainda, que as descobertas feitas durante a etapa de perfuração podem ajudar na "complementação das lacunas de informação".
"Em uma região sensível como a foz do Amazonas -e de forma mais ampla, toda a a margem equatorial do país- é fundamental realizar a avaliação ambiental de área sedimentar. Fere a lógica dizer que a AAAS, que define áreas aptas ou não para exploração, possa ser descartada", afirma Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e diretora do Observatório do Clima.
No parecer técnico, o instituto diz que os estudos realizados previamente ao licenciamento "são prioritários e essenciais para a compreensão da adequabilidade" do empreendimento à região. O Ibama reconhece que não há previsão legal para exigência da AAAS, porém, alerta à petroleira que a autorização de perfuração não garante a viabilidade das etapas seguintes.
"A ausência de avaliação ambiental estratégica, como a AAAS, e outros instrumentos de gestão ambiental, dificultam expressivamente a tomada de decisão a respeito da viabilidade ambiental da atividade, inserida em uma área de notória sensibilidade socioambiental e de nova fronteira para a indústria do petróleo", conclui o instituto.
Procurado pela reportagem, o Ibama afirmou que a Petrobras apresentou como base da viabilidade do empreendimento um Estudo/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), mas que "a AAAS tem um propósito totalmente distinto, é um instrumento de planejamento estratégico do governo para toda a região em que está situado o empreendimento" e que este "proporcionaria mais segurança à decisão do licenciamento".
À Folha de S.Paulo, a Petrobras reafirmou que já apresentou estudos socioambientais para o empreendimento e que a AAAS depende dos ministérios. Ainda afirma que, para a exploração da Bacia de Santos, o pré-sal, foram apresentados estudos mais aprofundados apenas após a fase de perfuração.
"A despeito de não ser responsabilidade das empresas, a Petrobras se coloca à disposição dos órgãos de governo para colaborar em uma possível AAAS ou outro estudo de caráter regional que possa suportar a decisão sobre o futuro desenvolvimento da produção na região, caso haja descoberta decorrente do poço a ser perfurado em águas profundas", disse a empresa em nota.
O licenciamento ambiental do bloco 59 da foz do Amazonas está em fase avançada, faltando o Ibama analisar o plano de emergência e uma simulação de resposta a desastres. O processo avançou, sobretudo, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), que enfraqueceu e aparelhou as instâncias de fiscalização e licenciamento.
Há a preocupação de que a eventual liberação dispare um efeito em cascata para outros blocos ainda não explorados na região, que é considerada ambientalmente delicada.
O bloco 59 fica a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP) e a 500 km do local exato da foz do rio Amazonas. A área abriga ainda os maiores manguezais do Brasil, na costa do Amapá, e imensos sistemas de recifes de corais, que foram descobertos recentemente e sobre os quais ainda se sabe pouco.
A exploração da foz do Amazonas é tida por ambientalistas como um dos empreendimentos de maior potencial de impacto no país atualmente, junto com o asfaltamento da BR-319 -rodovia que corta a Amazônia- e a Ferrogrão (projeto de ferrovia que tem como objetivo escoar a produção de grãos do Centro-Oeste por portos da região Norte).
Na última sexta (24), na contramão do discurso ambientalista e de mudança na matriz energética nacional, o Ministério de Minas e Energia anunciou planos para escalar a produção nacional e tornar o Brasil o quarto maior produtor mundial de petróleo -hoje é o oitavo, segundo a Administração de Informação Energética dos EUA.
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