SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase três quartos (72,5%) da área dos alertas de desmatamento emitidos sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) -o que equivale a mais de 41,6 mil km² de destruição da vegetação nativa- têm sinais de ilegalidade.
Os dados são do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, do MapBiomas, que analisou mais de 254 mil avisos referentes ao período entre 2019 e 2022 em dez estados: Acre, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rondônia e São Paulo.
No total, foram mais de 57,5 mil km² desmatados nessas regiões, mas só um quarto dessa área tinha autorização para ser cortada ou foi alvo de ações de fiscalização. De acordo com a plataforma, quase 234 mil alertas têm indícios de ilegalidade e não foram alvo de qualquer ação por parte dos entes de fiscalização.
O governo Bolsonaro promoveu um desmonte da fiscalização ambiental, enfraquecendo normas e reduzindo o orçamento dedicado ao combate de crimes como extração ilegal de madeira e garimpo em terras indígenas.
Uma das medidas foi o congelamento da principal estratégia de enfrentamento ao crime ambiental na Amazônia, o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal). Criado em 2004, o plano foi reinstituído em janeiro deste ano por um decreto de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva. A nova estratégia entrou em consulta pública na noite desta segunda-feira (10).
Ao longo dos quatro anos analisados pelo MapBiomas, 20,4% da área com alertas tiveram ações de fiscalização, 6,5% foram de desmate autorizado e 0,7% contou tanto com autorização quanto com fiscalização.
Na metodologia usada pelos pesquisadores, as áreas com alertas de desmatamento são cruzadas com aquelas onde há registros de autorizações de retirada da vegetação, autuações e embargos emitidos pelos órgãos ambientais federais e estaduais. Se nenhuma informação pública de autorização, embargo ou autuação coincide com um alerta, é indicado que essa área tem indícios de ilegalidade.
Como são usados apenas dados disponibilizados pelos governos, nos sites oficiais, por exemplo, os resultados também servem como um diagnóstico da transparência na administração pública na área ambiental.
"É importante que o órgão, além de realizar a ação de fiscalização em si, disponibilize esses dados com a maior detalhamento e no formato mais adequado possível", defende Ana Paula Valdiones, uma das responsáveis pela plataforma e coordenador do ICV (Instituto Centro de Vida), que faz parte da rede MapBiomas.
Ela aponta que a transparência não é importante apenas para munir a sociedade civil de informações, mas também é usada em outras estratégias de combate ao desmate. "Se o Estado embargou uma área por desmatamento ilegal, por exemplo, ter esse dado público vai permitir que ele seja usado por outros órgãos em outras cadeias."
Isso possibilitaria, entre outras coisas, que não seja concedido crédito para produção em áreas que estejam embargadas.
Além disso, a publicização de ações de fiscalização e repressão ao crime ambiental pode funcionar como ferramenta para coibir esse tipo de ação. "A transparência e a divulgação na mídia colaboram com o efeito de dissuasão. Isso colabora para diminuir a sensação de impunidade que temos hoje para o desmatamento", opina a especialista.
Só dez estados foram incluídos na amostra porque só eles disponibilizavam os dados de forma pública no final do ano passado, quando foram colhidos para análise.
Entre os lugares analisados, os estados que menos fiscalizaram o desmatamento foram Acre, Ceará e Rondônia.
Em Rondônia, só 3,4% da área dos alertas de desmatamento cruzam com as autorizações e ações de fiscalização divulgadas pela secretaria estadual de meio ambiente. Esse número cai para 2,7% no Ceará e 1,2% no Acre.
Já os melhores números são do Espírito Santo, em que 62,6% da área dos alertas coincidem com autorizações e ações de fiscalização; Mato Grosso, com número semelhante, de 62%; e Minas Gerais, onde o percentual fica um pouco abaixo da metade (48%).
Em Goiás e São Paulo, o índice é inferior a um terço do total: 30,5% e 27,6%, respectivamente. No Pará, cai para 17,4% e, no Amazonas, para 12,4%.
"Nós vemos um cenário em que é preciso reforçar a fiscalização do desmatamento com algum indício de ilegalidade. Esse ponto é importante para essa retomada das ações ambientais, tanto pelo governo federal quanto pelos estados", analisa Valdiones. "Combater o crime ambiental está mais complexo e para isso a gente vai precisar da ação de diferentes atores."
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