SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) demora 11 dias para disponibilizar vagas de internação a dependentes químicos que procuram o centro de tratamento inaugurado nesta semana como principal aposta da gestão para lidar com o tema cracolândia na capital paulista.

Usuários que foram ao Cratod (Centro de Referência de Álcool e outras Drogas), na região central, em busca de internação na manhã de quinta-feira (13) foram orientados a retornar no próximo dia 24, quando a vaga em uma comunidade terapêutica seria disponibilizada.

O mecânico Valdenir, 46, saiu da triagem com a data em que deveria retornar anotada em um papel. "Vou tentar me manter sóbrio até lá e não desistir", diz ele, que procurou a internação para se livrar do vício em álcool.

Em nota, a secretaria estadual de Saúde disse que não procede a informação de que é preciso esperar 11 dias por uma vaga e não informou o tempo de espera para internação. "Desde o último dia 6, o Hub [novo nome do Cratod] possui uma nova gestão e os protocolos estão sendo aprimorados, a partir das diretrizes na nova política estadual sobre drogas", informou a pasta. "Havendo necessidade, os pacientes podem ser encaminhados no mesmo dia para uma comunidade terapêutica", acrescentou.

Sobre o caso do mecânico, a secretaria disse que "o paciente está sendo acompanhado por equipe multidisciplinar e, após avaliação e havendo necessidade, será encaminhado para comunidade terapêutica ou internação". O mecânico, porém, foi orientado pela equipe a pedir licença do trabalho a partir da data de internação.

No mesmo dia à tarde, ao menos 15 pessoas foram encaminhadas para a comunidade terapêutica Nova Esperança, em São José dos Campos, no interior paulista. O grupo também teve que esperar ao menos dez dias pela internação após solicitar a vaga no Cratod. "Vim aqui na semana retrasada e me falaram para voltar hoje às 9h", disse Suellen, 35, uma das pacientes encaminhadas.

Mesmo com a vaga garantida, os usuários convocados para internação nesta quinta tiveram que esperar seis horas pela ambulância que os levou até São José dos Campos. Com a mala de roupas na mão, Matheus, 23, chegou a ligar para a avó e pedir que mandasse um carro de aplicativo para levá-lo de volta a Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, porque queria desistir. "Vou me internar para dar um sossego para a minha avó. Ela não dorme quando eu fico na rua", diz ele, que faz tratamento para o vício em cocaína.

Sobre a demora, a secretaria disse que "é necessária uma avaliação médica e multiprofissional para definição de conduta e eventual encaminhamento às comunidades terapêuticas".

Frequentadora da cracolândia, Júlia, 36, conta que procurou o Cratod no último dia 8 após saber que haveria novas vagas de internação. Foi orientada a voltar na quinta. Ela diz que busca tratamento desde o fim do ano passado, mas não conseguiu porque há poucas vagas para mulheres. A secretaria da Saúde foi questionada sobre o assunto, mas não respondeu.

Mulher trans, ela conta que chegou a passar algumas semanas em uma comunidade terapêutica no ano passado, mas saiu porque foi obrigada a cortar o cabelo e ser tratada no gênero masculino já que não tem o documento com o nome social. "Fui colocada na ala para homens e não tinha paz. Acordava sempre com alguém passando a mão em mim", diz ela, que depois foi encaminhada para a ala feminina da comunidade terapêutica Nova Esperança.

Anunciado como a principal porta de entrada para tratamento de dependentes químicos no sistema de saúde estadual, o Cratod mudou de nome para Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas na última terça-feira (11), quando o vice-governador, Felício Ramuth (PSB), inaugurou o equipamento em cerimônia oficial.

Segundo o vice-governador, o serviço deixa de ser voltado apenas para a saúde para se transformar em uma unidade capaz de agregar os atendimentos médicos e a atuação de entidades religiosas e sociais que atuam na cracolândia. Na última quinta-feira, porém, o movimento estava fraco, e poucos usuários apareciam sozinhos em busca de internação. Nos corredores, circulavam os funcionários do Hub, e pacientes internados.

Um deles, o pintor Alef, 28, também foi encaminhado para a comunidade terapêutica Nova Esperança após ter sido internado com quadro grave de bronquite. "Já passei por 11 internações. Há um mês, tentei me internar de novo, mas disseram que meu caso era para ser tratado no Caps [ambulatório de saúde mental da rede municipal]", diz ele, que teve a internação autorizada há cerca de dez dias. "Caps para mim não funciona. Eu saio de lá, viro a esquina e já quero usar droga de novo." Alef afirma estar há três anos sem contato com a família e morando nas ruas.

A secretaria da Saúde também foi questionada sobre o motivo de todos os pacientes terem sido encaminhados para a mesma comunidade terapêutica, mas não houve resposta.


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