BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a bacia do Xingu, casa de 26 povos indígenas, registrou mais de 730 mil hectares de floresta desmatada -uma área quase do tamanho da Grande São Paulo.

Isso equivale a uma média de 200 árvores derrubadas a cada minuto, de acordo com o estudo Xingu Sob Pressão, elaborado pelo ISA (Instituto Socioambiental) com base em imagens de satélite e análise de dados geográficos.

A região concentra cinco dos seis territórios indígenas mais desmatados da Amazônia Legal: os territórios de Apyterewa, Cachoeira Seca, Ituna-Itatá, Trincheira-Bacajá e Kayapó.

A região é alvo de pressão de grandes obras -a rodovia BR-163, a usina de Belo Monte e a possível Ferrogrão (projeto de ferrovia para ligar o Centro-Oeste aos rios da Amazônia)- e da atuação de criminosos ambientais, como grileiros, garimpeiros e madeireiros.

Na Apyterewa, no Pará, a liderança Venatoa Parakanã, 32, diz que as fazendas já avançaram tão profundamente no território que há inclusive gado vivendo em uma das aldeias de seu povo. Segundo ela, é comum indígenas se depararem com rebanhos.

"Os invasores estão praticamente dentro da aldeia Paredão, e já tem família que já está saindo de lá por falta de alimento, caça, pesca. Porque não tem mais onde caçar, só tem fazenda, e peixe não tem como pescar porque a água está poluída. Só restaram quatro, cinco famílias. No início do ano havia por volta de 15", afirma Venatoa, recentemente eleita a primeira mulher presidente da Associação Tatoa, do povo Parakanã.

Ela diz que ainda sofre com a resistência dos homens de sua etnia e conta que em junho viajará para a Alemanha, para participar de um evento das Nações Unidas. Sua intenção é expor a situação do Xingu e buscar recursos para auxiliar a proteção dos povos.

"Quando criança, eu nunca tinha visto fazendeiros, a gente nem ouvia falar. Íamos com nossos pais passar três semanas no mato. Hoje em dia é muito difícil passar esse tempo todo no mato. Os fazendeiros construíram vilas com posto de gasolina, cabarés, tudo. Só falta um banco", diz.

A principal vila é a Renascer, criada em 2016 dentro do território e que conta com ampla estrutura e até um hotel.

Mesmo homologada em 2007, a TI (Terra Indígena) Apyterewa viu um exponencial crescimento da destruição. Em 2022, foram 8.916 hectares de floresta derrubada, mais que o dobro que os 4.228 de 2018. Atualmente, é o território mais desmatado da Amazônia.

Venatoa diz que fazendeiros já ofereceram dinheiro e viagens a caciques da região para que os indígenas deixassem de oferecer resistência aos invasores. Não que não tenham feito ameaças.

A última foi no início do ano. "Estamos com medo, a gente não sabe o dia de amanhã. Quando a gente recebe a ameaça, a gente fica pensando o que pode acontecer", completa.

As cinco terras indígenas de maior desmatamento da bacia do Xingu correspondem a 60% da destruição de floresta da Amazônia. Entre 2018 e 2022, a derrubada de árvores cresceu quase 40%.

Em Ituna-Itatá, pequeno território ao norte do Xingu que ainda não teve sua portaria homologada --atualmente, tem apenas uma portaria de restrição de uso--, o índice cresceu 303% apenas de 2021 para 2022.

O território fica na região de Altamira, região dominada por políticos ligados ao garimpo e à extração ilegal de madeira.

A bacia do Xingu, aliás, é rodeada por rodovias. Segundo o estudo, desde 2018, foram abertos mais de 5.700 km de ramais ilegais saindo das estradas e adentrando os territórios.

Também é na região do Xingu que fica a usina de Belo Monte. Sua construção foi o estopim para a saída de Marina Silva do governo Lula, em 2008. De volta ao ministério do Meio Ambiente, a renovação da licença da hidrelétrica ficará a cargo do atual governo.

O estudo ainda destaca a situação da Terra Indígena Trincheira-Bacajá, que atualmente tem fluxo de invasões contínuas vindas do norte, noroeste e, principalmente, ao sudeste.

Bebere Xikrin, 36, liderança da região e morador da aldeia Kenkro, a mais ao sul do território, afirma que já foram inclusive destruídas pontes usadas pelos criminosos -mas que elas foram, posteriormente, reconstruídas.

"Nosso medo é o pessoal atacar nossa aldeia, porque é a mais próxima, fica a 3 km em linha reta das áreas de invasão. Ano passado já fomos vítimas de ameaças", diz.

Nos quatro anos de governo Bolsonaro, a TI viu 3.880 hectares desmatados ao norte e ao nordeste; ao sul, foram 5.561 hectares. No sudoeste, a invasão começou com uma estrada ilegal construída em 2019 e já soma mais de 1.000 hectares de floresta derrubada.

Como mostrou a Folha, na região de São Félix do Xingu, justamente no sudoeste da TI, uma operação da Polícia Federal teve negado o apoio por parte das Forças Armadas e ficou marcada por tumulto e bloqueio de estradas feito por pessoas que estavam no território; pela ausência de direcionamento às famílias, que ficaram pelas vilas vizinhas; e pela retirada, sem apreensão, de cabeças de gado usadas por grileiros para dominar a região.

A terra indígena é uma das sete nas quais o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso ordenou que sejam feitas operações para a expulsão de invasores.

A PF e a Força Nacional promoveram a retirada de cerca de 200 famílias de posseiros do território e de cerca de 600 cabeças de gado.

"No sudeste da Trincheira-Bacajá, na década de 1980, 1990, havia invasores. Desde então, eles foram retirados e assentados. Agora, eles voltaram, desde 2017, na mesma área que era, daquela mesma época", completa Bebere sobre a piora da situação no território onde vive o seu povo.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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