SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O bloqueio do Telegram, nesta quarta-feira (26), criou uma barreira para a disseminação massiva de conteúdo extremista, mas os responsáveis continuam se organizando na internet em redes de mais difícil monitoramento.
"O Telegram é o principal aplicativo usado por esses grupos neonazistas para propaganda. Mas para se articularem, eles usam grupos fechados em outras redes, como Wire e Discord", disse a pesquisadora Letícia Oliveira, que há 11 anos monitora perfis extremistas na internet.
Segundo ela, depois da suspensão do aplicativo de troca de mensagens no Brasil, esses perfis rapidamente começaram a ensinar os seguidores como furar o bloqueio. O principal método é a utilização do serviço de VPN, que permite que o usuário se conecte ao aplicativo por meio de um servidor estrangeiro, sem que as operadoras de telefonia locais fiquem sabendo.
Por enquanto, apesar da dificuldade imposta pela Justiça Federal, que tirou o aplicativo do ar, os responsáveis pelos grupos extremistas não consideram migrar para outra rede. "Eles estão estabelecidos há bastante tempo no Telegram e se sentem protegidos lá. Agora estão em observação, aguardando uma resposta do aplicativo à Justiça brasileira", disse Tatiana Azevedo, que trabalha junto de Letícia na análise de monitoramento de grupos extremistas.
Nos canais de transmissão do Telegram circulam materiais estimulando atentados e ensinando como fabricar armas e bombas caseiras. De acordo com a Polícia Federal, o adolescente que matou quatro pessoas em uma escola de Aracruz, no Espírito Santo, em novembro passado, participava de dois grupos antissemitas no aplicativo.
Letícia conta que os grupos radicais, que antes se organizavam em fóruns anônimos na deep web, hoje atuam muito mais na superfície, em redes com milhões de usuários. "Isso acontece porque não existe moderação ativa dessas plataformas. Precisamos de uma regulamentação das redes sociais para que as empresas sejam obrigadas a retirar esses conteúdos de circulação", disse ela, que atualmente pesquisa as comunidades de adolescentes que cultuam autores de atentados em escolas.
Esses jovens, que estão presentes sobretudo no Twitter e TikTok, não são os mesmos que disseminam conteúdo extremista no Telegram, mas recebem forte influência deste.
Reunidos em grupos na internet, os meninos propagam entre os membros ideologias misóginas e racistas, e frequentemente fazem homenagens a autores de massacres em escolas, como o ocorrido em Columbine, nos Estados Unidos, e em Suzano, na Grande São Paulo.
Depois da exposição gerada pela onda de ameaças a escolas no início do mês, esses começaram a migrar para outras redes, como o Discord. Segundo a pesquisadora, o monitoramento conseguiu identificar que cinco adolescentes autores de atentados nos últimos anos participavam dessas comunidades.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Telegram, questionando se a plataforma tem alguma previsão para entregar à Justiça os dados solicitados pela Polícia Federal, mas não obteve retorno. A decisão da 1ª Vara Federal de Linhares (ES) considerou "evidente propósito do Telegram de não cooperar com a investigação em curso" e impôs multa diária de R$ 1 milhão caso o aplicativo não cumpra a ordem.
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