SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Três meses depois das chuvas que deixaram 65 mortos no litoral norte paulista, famílias de São Sebastião estão sendo mandadas de volta para casas que já tiveram ordem de demolição e que seguem em risco.
O retorno ao morro do Pantanal, próximo à praia de Juquehy, ocorre após essas famílias desabrigadas perderem a hospedagem em pousadas da região e ficarem sem opção de moradia. A Defesa Civil do município e o Governo de São Paulo deram aval à reocupação, alterando o status de ao menos sete casas que já haviam sido interditadas permanentemente, dizendo agora que elas podem ser habitadas.
Algumas construções foram afetadas pelos deslizamentos e têm grandes rachaduras nas paredes, portas fora do lugar e furos nos telhados. Há famílias com medo de permanecer ali e em busca de alternativas, mas sem sucesso.
No dia da tragédia, três pessoas morreram no morro do Pantanal sob os escombros de uma casa soterrada pela lama -um casal e a filha de 2 anos. Os moradores que voltaram ao bairro estão a poucos metros dessa área, até hoje tomada pelo barro que desceu da encosta.
Os primeiros relatórios da Defesa Civil municipal, feitos nos dias 14 e 15 de março, determinavam a interdição definitiva das casas e o desmonte dos imóveis "para evitar acidentes, salvaguardar vidas e prevenir danos ao patrimônio".
Em 18 e 20 de abril, contudo, uma equipe de dois geólogos e um engenheiro ambiental do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), vinculado à Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, analisou as condições de sete casas no morro. Eles foram acompanhados por uma agente da Defesa Civil do município, e todas as casas vistoriadas foram liberadas para reocupação.
O relatório ressalta que ainda há risco de deslizamentos de terra nessa área. Diz, ainda, que para permanecer ali é necessário se cadastrar no alerta de desastres do governo estadual, seguir recomendações de segurança e, em caso de perigo, dirigir-se aos abrigos mais próximos.
Por isso, o documento sugere que sejam feitas obras para mitigar os riscos às construções, como muros de contenção, drenagem e melhorias nas moradias. Nada disso, porém, foi feito nos últimos três meses, e os técnicos do IPT não descartam a remoção definitiva dos moradores, como havia sido decidido inicialmente.
Em nota, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirma que vistorias feitas no fim de abril pelo IPT, IPA (Instituto de Pesquisas Ambientais) e pela Defesa Civil de São Sebastião serviram para confirmar ou retificar laudos que haviam sido feitos anteriormente.
"Alguns imóveis foram reclassificados, e os moradores orientados sobre os procedimentos que deveriam adotar, inclusive solicitar novos laudos à Defesa Civil do município em caso de dúvidas", diz a nota.
TREINAMENTO PARA FUGA
Cinco desses moradores estão numa área do morro onde só é possível chegar por uma escada de 101 degraus, o que dificulta a saída durante uma emergência. Entre eles há uma criança de 6 anos e dois homens com mais de 60.
A Defesa Civil diz que fará treinamentos de fuga com quem está no local, o que revoltou alguns moradores.
"Eu disse ao rapaz da Defesa Civil, quando ele falou em treinamento para descer o morro: 'convido você e o prefeito Felipe Augusto [PSDB] para passar uma noite lá, para vocês verem o que a gente passa'", contou a faxineira Liliane Olga dos Santos, 36. Ela conta que nesta semana teve que dormir três noites na área mais isolada do morro.
Sobre o treinamento, o governo afirma que se trata de procedimento de segurança adotado com moradores de todas as residências em áreas classificadas como aptas a reocupação.
Durante uma reunião entre moradores e técnicos da Defesa Civil, há cerca de uma semana, algumas famílias se recusaram a assinar documentos reconhecendo a segurança das construções.
De acordo com o governo, a assinatura desses termos não significa que as famílias concordaram com os laudos que liberaram as casas, uma vez que os moradores foram orientados a pedir novas vistorias.
FIM DA ESTADIA EM POUSADAS
Surpreendidos pelo fim da estadia nas pousadas, Liliane Santos e alguns vizinhos tiveram que ficar no morro do Pantanal até conseguirem outra opção -ficaram ali o menor tempo possível, com medo de que as paredes viessem abaixo.
A faxineira conseguiu um auxílio-aluguel, mas o pagamento só será efetivado no fim de maio. Com pressa para entrar na casa alugada, ela pediu dinheiro emprestado a amigos para pagar os dias a mais e conseguir se mudar nesta semana.
O auxílio-aluguel, porém, é uma opção inviável para muitos desabrigados. É preciso encontrar um proprietário disposto a alugar a casa e a documentação do imóvel precisa estar em ordem. E o mais difícil de tudo é encontrar um aluguel a preço acessível.
A empregada doméstica Simone dos Santos, 27, voltou a morar numa das partes baixas do morro Pantanal, mas diz não se sentir segura. A casa do vizinho, com parede colada à sua, recebeu ordem de demolição por causa do risco de desabar.
Como a casa vizinha está numa parte mais alta do morro, ela tem medo de que um deslizamento derrube as duas construções de uma vez. Mas diz que não teve outra opção a não ser voltar.
"Na pousada eles disseram que teríamos que sair até dia 15 [de maio] e [para] quem não saísse eles iam chamar a polícia", contou. "Eu tenho medo de fechar o olho à noite."
Os moradores do morro do Pantanal também relatam que precisam comprar galões de água para tomar banho. O que sai das torneiras tem cor de terra e cheiro ruim, pois os barracos eram abastecidos por um riacho para onde até hoje escorre a lama que desceu dos morros.
As famílias aguardam por apartamentos da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), mas as unidades devem ficar prontas em cerca de três anos.
A ajudante de obras Noêmia Regina da Silva, 28, e a filha dela estão dormindo desde segunda-feira (15) na área mais isolada, conhecida como "escadão". É uma das casas mais altas do morro e está entre duas cicatrizes dos deslizamentos. O chão do banheiro está rachado e entortou.
"Não tem condições de trazer minha filha de seis anos para morar comigo", ela lamenta.
De acordo com o governo, as famílias que hoje residem nessas áreas serão cadastradas para os próximos empreendimentos da CDHU em São Sebastião. "No momento, o Governo de SP está construindo 704 imóveis para os afetados pelas fortes chuvas de fevereiro, com previsão de entrega no segundo semestre de 2023", diz a nota enviada à reportagem.
A Prefeitura de São Sebastião, por sua vez, diz que acompanha a situação de moradores de áreas de risco desde antes da catástrofe. E reafirma que os primeiros laudos eram provisórios.
"Com a tragédia de fevereiro, surgiram novas áreas de risco, onde antes não havia", diz a prefeitura. "Foram 693 cicatrizes em morros que indicam áreas de escorregamento, em áreas habitadas e não habitadas. Um novo levantamento será feito tão logo seja finalizado o abrigamento de todas as famílias que perderam suas moradias, sendo essas as primeiras as serem transferidas para as moradias já em construção, em caráter emergencial, pelo governo do estado."
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