SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um manifesto assinado por 790 entidades -entre ONGs, universidades, movimentos sociais e associações- pede a líderes políticos em Brasília que corrijam equívocos na MP 1.154, cuja versão aprovada pela comissão mista do Congresso na quarta-feira (24) esvaziou o MMA (Ministério do Meio Ambiente) e o MPI (Ministérios dos Povos Indígenas).

"Votar a favor desses equívocos significa apoiar a diminuição da capacidade de o Brasil combater o desmatamento, de assegurar o equilíbrio no uso múltiplo das águas e de garantir a efetividade dos direitos constitucionais dos povos indígenas e a tutela dos direitos humanos", diz a carta.

"Não há qualquer razão administrativa que justifique o esquartejamento do MMA e a redução de poder do MPI", pontua o texto.

Os pontos criticados são a retirada de competências do MMA sobre o CAR (Cadastro Ambiental Rural), a ANA (Agência Nacional de Águas) e a gestão de resíduos sólidos e saneamento, além de perda de duas atribuições fundamentais do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas: a demarcação de terras indígenas e a administração da Funai.

A aprovação do texto contou com o apoio do governo, o que abriu oportunidade para outras duas pautas antiambientais. Também na quarta-feira (24), a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do PL 490, que estabelece um marco temporal para o reconhecimento de terras indígenas.

Os deputados também voltaram a incluir emendas antiambientais na MP 1.150, que foi aprovada pelo plenário da Câmara com uma flexibilização da Lei da Mata Atlântica --trecho que havia sido retirado da matéria no Senado. A MP vai para a sanção presidencial. No Twitter, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que o presidente Lula deve vetar o trecho que flexibiliza a lei.

O conjunto de aprovações antiambientais no mesmo dia chocou ambientalistas no país e também internacionalmente.

"Se o meio ambiente e a proteção aos direitos indígenas estão ameaçados, eu fico imaginando quão confiável é o compromisso de Lula", afirmou à reportagem a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu.

"Se essas agendas perderem o rumo no Brasil, o já criticado acordo comercial [entre a União Europeia e o Mercosul] perderá ainda mais o apoio do público [europeu]", diz Cavazzini.

Influente na imprensa francesa, o cientista político francês François Gemenne também expressou críticas, usando o Twitter.

"Apesar de seu apoio à Rússia, muitos na Europa continuam a ver Lula como um ícone. Ele agora está prestes a dar lugar aos lobbies do desmatamento e despir os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, para que o desmatamento possa retomar a todo vapor", afirmou Gemenne, que é especialista em mudanças climáticas e autor do painel do clima da ONU.

O CAR (Cadastro Ambiental Rural) sofreu cortes nas duas medidas provisórias que avançaram nesta quarta.

Além da proposta contida na MP 1.154, que transfere o CAR para o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, a MP 1.150 também enfraquece o vínculo do CAR com o sistema financeiro, que hoje já usa informações dos cadastros dos proprietários rurais para evitar financiar atividades ligadas a desmatamento.

Segundo pesquisadores do CPI (Climate Policy Initiative), o "texto ameaça o alinhamento do sistema financeiro com a sustentabilidade ao buscar restringir a capacidade de as instituições financeiras negarem empréstimos com base no descumprimento do Código Florestal e da Lei de Crimes Ambientais".

"O CAR não pode ficar sujeito a mudanças ministeriais, sob o risco de um apagão ambiental dos imóveis rurais. O Congresso Nacional precisa reconhecer a sua responsabilidade sobre o futuro da sustentabilidade do agronegócio brasileiro", afirmou o CPI em nota nesta quinta-feira (25).

Outra manifestação, assinada pelas entidades que compõem o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), afirma que o conjunto de medidas antiambientais aprovadas pelo Congresso atendem "aos interesses de diversos setores econômicos e políticos que estão presos a um passado associado à degradação e negação da gravidade das crises ambientais".

Ao pedir a reversão das propostas, a carta sugere que o presidente Lula use suas "competências constitucionais" para evitar medidas "típicas de governos atrasados e negacionistas, já derrotadas nas urnas pelos brasileiros".

Os parlamentares reunidos na frente parlamentar dos povos indígenas também se pronunciaram por carta, reunindo centenas de assinaturas de entidades e pessoas físicas.

"Defendemos a necessidade de manutenção do texto original da medida provisória 1.154/23. Medida contrária irá inviabilizar a retomada das políticas públicas brasileiras, imprescindíveis para a garantia dos direitos da sociedade sobre o meio ambiente e dos direitos de povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, bem como essenciais para o desenvolvimento econômico e a imagem do Brasil no exterior", diz a carta.


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