Concebidos para fiscalizar a atuação de agentes do sistema de Justiça, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) têm alterado normas e se desviado de suas finalidades originais, em prol de interesses corporativos. As manobras foram identificadas por pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), que publicaram nesta segunda-feira (5) um artigo na Revista Brasileira de Ciências Sociais.
A equipe de pesquisadores constatou que, ao mexerem em resoluções, ambos os órgãos assumiram para si atribuições que não lhes cabem. No caso do CNMP, algo que chama a atenção são duas resoluções do ano de 2017, que autorizaram membros a firmar acordos em casos de improbidade administrativa e em matéria penal. A inspiração, segundo os autores do artigo, veio da Justiça estadunidense.
Tanto o CNJ como o CNMP têm, ainda, moldado as regras relativas ao concurso público, o que impacta a configuração do quadro funcional, em termos de diversidade e desigualdade, já que alteram a forma de ingresso de magistrados, promotores e procuradores. Ao todo, foram promovidas quatro mudanças nesse sentido, no CNJ, e 13 no CNMP. A emenda constitucional que criou os dois conselhos estabelece que se tenha, no mínimo, três anos de experiência com atividade jurídica, para que se possa exercer tais funções. Contudo, os conselhos passaram a levar em conta a titulação do candidato, incluindo a conclusão de cursos de especialização, na contagem do tempo de experiência, o que poderia favorecer a parcela que consegue custeá-los.
Outro aspecto que entrou no radar dos pesquisadores, e também em questionamento, é a reserva de vagas para negros. O CNJ, ressaltam os cientistas, respeita a autodeclaração assegurada pelo Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei nº 12.288/2010. O CNMP, porém, exige que o candidato que se declare preto ou pardo seja submetido a validação de uma comissão, que confirma o fenótipo e, por conseguinte, o pertencimento à população negra.
Para Rafael Viegas, um dos pesquisadores que assinam o artigo, tais resoluções são positivas, na medida que regulamentam as etapas que compõem o processo de seleção, mas, por outro lado, beneficiam candidatos com determinadas características. Como se sabe, por meio do Perfil Sociodemográfico dos Magistrados 2018, do CNJ, a maioria dos juízes do país é do gênero masculino, branca, casada e católica.
"Essas resoluções foram, ao longo do tempo, deturpando discussões que foram realizadas durante a tramitação da emenda, prevendo a possibilidade de que cursos e pós, inclusive oferecidas por cursinhos preparatórios para essas carreiras, que ao final exigiam a entrega de uma monografia, contem como atividade jurídica. Isso pode estar relacionado a uma tendência de uma elitização ainda maior dessas carreiras. Isso demanda mais estudos para analisar o perfil dos integrantes da magistratura do Ministério Público, mas cabe destacar que CNJ e CNMP foram criados considerando o histórico déficit de accountability de magistratura no Ministério Público, no Brasil.", diz Viegas, que é cientista político especializado em temáticas como burocracia e o funcionamento do Ministério Público.
Os pesquisadores analisaram as 303 resoluções do CNJ e as 206 do CNMP publicadas entre 2005 e 2019, com o auxílio de um software. O que se observou foi que os órgãos editaram, respectivamente, 97 e 88 resoluções, com o objetivo de modificar o teor de normas que vigoravam anteriormente.
A Agência Brasil procurou o CNJ e o CNMP, mas não teve resposta.
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