SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma pesquisa mostrou que pessoas que perdem suas casas ou têm as moradias parcialmente destruídas em decorrência de eventos climáticos sofrem também com efeitos na sua saúde física e mental.
De acordo com o estudo, os danos podem estar relacionados ao bem-estar emocional, ao convívio social e à saúde mental, e duram em média de um a dois anos após o desastre.
O levantamento mostrou ainda que pessoas em situação de vulnerabilidade são mais afetadas pela perda de habitação em decorrência de eventos climáticos extremos.
Até dois anos após o desastre ambiental, as pessoas que perdem suas casas e são proprietárias sofrem mais com estresse e danos relacionados ao valor material perdido, enquanto aquelas que alugam são forçadas a se mudar e sofrem mais com a insegurança habitacional.
Com isso, essas pessoas se tornam mais doentes mentalmente e também apresentam dificuldades relacionadas à mobilidade, incluindo dores no corpo, perda de vitalidade e limitação nas tarefas cotidianas devido aos problemas emocionais, em especial no ano em que perderam suas moradias.
Os resultados da pesquisa foram publicados na última segunda-feira (5) na revista especializada The Lancet Planetary Health. O estudo foi conduzido por cientistas da Universidade de Melbourne, na Austrália.
Para avaliar o papel dos eventos climáticos que ocasionam a destruição dos lares na saúde, os pesquisadores traçaram um chamado estudo de caso controle. Foram analisados os dados de indivíduos que tiveram danos relacionados à habitação após desastres naturais e também daqueles que não sofreram perdas (como controle).
Os dados utilizados fazem parte do inquérito Hilda (da sigla em inglês, Dinâmicas de Moradia, Renda e Trabalho na Austrália), uma espécie de IBGE, com apoio do Departamento de Serviço Social australiano.
Foram incluídas informações de 2.003 indivíduos de 2009 a 2019, último ano que apresentou desastres naturais na Austrália, como os incêndios que tiveram início em janeiro de 2019 e continuaram até a primavera do mesmo ano.
Os principais eventos relacionados ao clima foram incêndios, enchentes e ciclones, e os danos à saúde foram divididos em piora mental, bem-estar físico, social e emocional.
Já os efeitos relacionados à perda de moradias foram classificados em aspectos ligados ao custo, incluindo infraestrutura, segurança (como estabilidade habitacional) e condição física do imóvel (se ele era mais ou menos vulnerável às catástrofes).
Na análise, os pesquisadores classificaram, de 0 a 100, qual o nível de satisfação dos moradores com as suas condições habitacionais, físicas e emocionais. Segundo o inquérito, pessoas que sofreram perdas com as suas casas tiveram uma nota média 2 pontos abaixo do grupo controle, chegando a até 4 pontos a menos para a saúde mental.
Os pontos mais baixos observados foram no ano do desastre, mas a maioria se estendia por um a dois anos após o evento, chegando até a oito anos após, quando não havia a conclusão de uma solução para nova habitação.
Em geral, os indivíduos mais afetados foram pessoas com 30 anos ou mais, nascidas na Austrália, que viviam em áreas remotas ou em comunidades regionalizadas, pessoas desempregadas, indivíduos que recebiam auxílios do governo e pessoas com condições de saúde crônicas.
Segundo Ang Li, primeiro autor do estudo e pesquisador associado no Centro de Pesquisa em Excelência em Moradia e Saúde da Universidade de Melbourne, embora a média tenha sido de dois pontos, em alguns casos a queda no nível de saúde pode ter sido mais elevada.
"Para aqueles que habitam em piores condições de moradia ou tinham fatores prévios de saúde, a piora foi muito mais significativa", disse.
Se, na média, o decréscimo na saúde dos respondentes foi de apenas dois pontos, isso significa que no contexto mais amplo existem pessoas que são muito resilientes e, portanto, pouco afetadas pelos danos e perdas relacionados à habitação, e outras são muito vulneráveis e vão ser mais afetadas.
Na pesquisa, os cientistas testaram os chamados determinantes sociais em saúde, que incluem os fatores de vulnerabilidade social (como pobreza, baixa escolaridade e viver em moradias em áreas de risco) e suas interações com os indicadores de exposição (danos à moradia). Com isso, foi comprovado o que outros estudos já apontavam: que esses fatores vão, de fato, ter um papel maior sobre os danos sofridos pelas perdas de moradia.
O autor lembra que na Austrália, assim como em muitos países, as ferramentas de financiamento habitacional visam a compra do imóvel como um bem material, não como um direito fundamental à vida, à segurança e à saúde.
"As intervenções do governo em relação às condições precárias de moradia poderiam ajudar a prevenir alguns dos piores efeitos à saúde observados, não só em relação aos eventos climáticos, mas também para a melhora da saúde pública como um todo, o que acaba sendo um ciclo vicioso onde condições piores de saúde são elas próprias fonte de vulnerabilidade social", afirmou.
Apesar de ter incluído o início do período de incêndios na Austrália, Li afirma que o estudo deve continuar para abranger agora os anos mais recentes, incluindo a pandemia de Covid-19.
"Será um desafio incluir os dados nos anos da pandemia porque sabemos que a própria doença teve um papel significativo na piora da saúde mental e qualidade de vida das pessoas em todo o mundo. Assim, esperamos ver uma crise dupla em saúde, ambas com efeitos negativos na saúde e um potencial efeito agravante", completou.
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