SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Policiais militares envolvidos no caso do homem negro que teve as mãos e os pés amarrados após um suposto furto em um mercado na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, disseram que amarraram o suspeito porque ele teria resistido à abordagem e os ameaçado. A informação consta no boletim de ocorrência registrado no 27° DP (Campo Belo).
Conforme a versão dos policiais, eles patrulhavam a avenida Conselheiro Rodrigues Alves por volta das 23h50 de domingo (4) quando foram parados por uma mulher que indicou uma movimentação estranha em um mercado naquela via.
No estabelecimento, um funcionário relatou aos PMs que pessoas haviam entrado na loja e realizado um "arrastão", levando diversos produtos.
Os policiais deixaram o local e, metros à frente, na rua Morgado de Mateus, encontraram um jovem de 32 anos com duas caixas de bombons, cada uma delas no valor de R$ 15.
Ainda segundo os PMs, o homem confessou o furto no mercado. Os policiais então deram ordem para que o suspeito se sentasse, mas foram ignorados. Os agentes disseram ainda que o homem estava bastante alterado e que foi necessário pedir reforço, totalizando quatro homens para segurá-lo.
Os policiais relatam que o suspeito ofereceu resistência mesmo algemado e que por isso foi necessário usar uma corda para amarrar seus pés.
Ainda de acordo com o BO, os policiais disseram que o homem ameaçou se levantar e correr. O suspeito teria dito que pegaria a arma dos PMs e atiraria contra eles, como ocorreu na zona leste -uma referência ao caso registrado na semana passada em São Mateus, em que um homem lutou contra dois PMs, tomou a arma de um deles e conseguiu ferir os dois agentes, que seguem sob cuidados médicos.
Imobilizado, o suspeito foi conduzido pelos policiais à UPA Vila Mariana. Foi nesse local que uma testemunha o filmou com pés e mãos amarrados.
A testemunha também foi conduzida à delegacia para contar sua versão.
Além do homem que foi amarrado, outros dois suspeitos foram encaminhados para o distrito policial -um homem e um adolescente. Eles também teriam participado do arrastão, mas nenhum produto do mercado foi encontrado com eles.
Um funcionário do supermercado disse que o suspeito amarrado já era conhecido por realizar furtos no local. Ele contou que, assim que o viu colocando produtos em uma cesta, acionou um botão de pânico. Outros dois rapazes entraram e começaram a pegar diversos produtos da prateleira, e o funcionário então abandonou a loja e ficou do lado de fora, ainda segundo seu relato à polícia. Por fim, disse que viu quando os três deixaram o mercado levando os produtos.
Os produtos levados durante o arrastão foram listados no BO: 19 latas de energético, cerca de 20 latas de bebidas alcoólicas, garrafas de pinga, dois pacotes de macarrão e dois molhos de tomate, totalizando R$ 503.
Na delegacia, o trio de suspeitos se manteve em silêncio. O homem amarrado foi indiciado por furto, resistência, ameaça e corrupção de menor -segundo a Polícia Civil, ele teve a prisão preventiva decretada. O adolescente foi apreendido, e o outro suspeito está detido.
'PAU DE ARARA'
A ação policial gerou críticas de especialistas em segurança e direitos humanos.
Por se tratar de dois policiais contra uma pessoa desarmada, os PMs deveriam ter aplicado ensinamentos de defesa pessoal, imobilizando o suspeito e o algemando com as mãos para trás, afima o tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza, doutor pelo Instituto de Psicologia da USP.
Analisando as imagens, Paes de Souza disse também não ter identificado a presença, com os policiais, de arma de choque ou de bastão tonfa (cassetete), que poderiam ter sido usados para mobilização.
"Parece-me que houve uma desproporcionalidade na ação dos profissionais", afirmou.
O ouvidor das polícias, Claudinho Silva, disse à reportagem que vai pedir uma apuração rigorosa por parte da Corregedoria. Imagens das câmeras de monitoramento da UPA também foram solicitadas.
"A gente não pode naturalizar esse tipo de tratamento. Aquilo é tortura, não é abordagem policial", afirmou.
Na avaliação do ouvidor, o número de policiais era grande e, no limite, o suspeito poderia ter sido algemado pelas pernas.
Para Silva, a forma como o homem foi carregado lembra um "pau de arara". A expressão é usada para descrever um instrumento de tortura largamente utilizado por agentes da ditadura brasileira (1964-1985).
"Aquele formato de carregamento, quando você vai fazer alguma analogia na história, é com o pau de arara", disse.
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