SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A promessa de que o Plano Diretor Estratégico de São Paulo vai garantir moradias sociais para a população de baixa renda não está prevista em nenhum artigo da revisão do projeto. A questão veio à tona após um vídeo de uma audiência pública para debater a proposta começar a circular nas redes sociais.

Nele, o relator do projeto do Plano Diretor, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), afirma que "não tem como garantir no texto" da proposta a construção de Habitação de Interesse Social [HIS] na capital paulista.

A fala foi dita após uma cidadã pedir aos vereadores que indicassem "em que artigo do projeto de lei está garantido a construção de habitação social". A audiência foi realizada em abril, antes da apresentação e aprovação do texto substitutivo apresentado por Goulart.

O vereador Rubinho Nunes (União Brasil), presidente da Comissão de Política Urbana, responsável pelas discussões do Plano Diretor, se vira para Goulart e pergunta: "É para eu responder?".

O parlamentar então diz ao colega: "É, mas não tem garantia. Não tem em lugar nenhum. Eu não consigo garantir no texto".

Em seguida, Rubinho Nunes responde à pergunta no microfone: "Primeiro, o projeto [do PDE] adveio do Executivo. Então a Câmara Municipal, os vereadores, nós temos aqui um papel importante de ouvir a sociedade para que a gente possa dar diretrizes para que a prefeitura possa ter mecanismos para ampliar a oferta de habitação de interesse social na cidade de São Paulo. O primeiro passo é esse".

"Garantir não é condição legal. É, sim, construção coletiva. E é isso, sim, que vamos fazer", seguiu. O parlamentar afirmou ainda que habitação social é tema prioritário na Câmara. "O Plano Diretor não obriga, ele dá diretrizes e dá um norte para aquilo que a gente quer para o desenvolvimento da cidade."

Um vídeo que faz uma montagem da sessão mostra uma parte da resposta do vereador, que diz: "A gente sabe do déficit habitacional. E garantir [moradia popular] não é condição legal".

Antes de mostrar a audiência, a peça se inicia com a frase: "São Paulo à venda". Há uma animação com notas de dinheiro voando.

Rubinho Nunes afirma à coluna que a montagem "é uma tentativa criminosa de descredibilizar o Plano Diretor". "A fala problematizada, na verdade, foi sorrateiramente tirada de contexto".

Ele diz também que "solicitou providências para identificar quem editou e quem está propagando o conteúdo". Ele diz que processará os responsáveis nas esferas cível e penal.

Atualmente, de acordo com a Prefeitura de São Paulo, o déficit habitacional da cidade é estimado em 369 mil domicílios.

O professor da FAU-USP Nabil Bonduki, que foi relator do Plano Diretor em 2014, quando era vereador pelo PT, afirma à coluna que o texto não pode obrigar a prefeitura a construir moradia de interesse social, mas cita propostas que poderiam ajudar a melhorar a situação.

"No caso do mercado, seria fundamental estabelecer que tudo o que for produzido como habitação social seja destinado a uma lista de beneficiários definida pela prefeitura", diz.

Outra proposta, segue ele, seria definir como "improbidade administrativa se a prefeitura não utilizar os recursos previstos para habitação em interesse social para essa finalidade".

Atualmente, há uma cota de solidariedade que obriga que construtoras, quando lançam grandes empreendimentos, entreguem também habitação social. A regra vale para construções com mais de 20 mil metros quadrados. A construtora recebe, como benefício, um acréscimo de 10% na área construída.

A prefeitura propôs que, para o pagamento da cota de solidariedade, haveria uma exigência de que metade das unidades construídas sejam de HIS-1, voltadas para famílias mais pobres (até três salários mínimos). Uma das principais críticas ao Plano Diretor é que quase não se construiu HIS-1 nos últimos nove anos.

A Abrainc, associação que representa incorporadores imobiliários do país, propôs retirar o mínimo de 50% para a construção de HIS-1 e incluir empreendimentos com menos de 20 mil metros quadrados nessa regra. As duas sugestões foram incluídas no substitutivo do relator.

Procurado, Goulart diz que há "uma série de incentivos e benefícios para construção de HIS (Habitação de Interesse Social)".

"É muito leviano pinçar um comentário solto feito em uma audiência pública ocorrida há cerca de dois meses. Naquele momento não havia ainda nem o texto substitutivo proposto e aprovado por 42 dos 55 vereadores. A Câmara estava em fase de coleta de sugestões que, só depois, resultariam no texto que foi proposto pelo relator", segue ele.

O substitutivo do Plano Diretor foi por apresentado Goulart no último dia 23 e aprovado em primeiro turno na Câmara oito dias depois, em 31 de maio.

A previsão é que a votação definitiva, em segundo turno, ocorra na tarde do dia 21 de junho.

A proposta tem sido criticada por urbanistas por abrir brechas para intensificar a verticalização da cidade, permitir a construção de mais vagas de garagem próximas a eixos de transporte coletivo e dar opções para que empreiteiras não paguem em dinheiro a taxa para construir acima do limite estabelecido.

Veja, abaixo, a íntegra da nota de Rubinho:

"O vídeo que circula nas redes sociais é uma tentativa criminosa de descredibilizar o Plano Diretor. A fala problematizada, na verdade, foi sorrateiramente tirada de contexto, haja vista que respondi objetivamente a munícipe na sequência e tal fala foi ardilosamente retirada da gravação.

Na ocasião sequer existia relatório do PDE, pois tratava-se de audiência inicial para análise e melhorias no texto enviado pelo executivo -que foi modificado e, inclusive, aprimorado quanto às habitações sociais.

Vale dizer que no texto enviado pelo Executivo, as HIS's são garantidas no artigo 29, III e, no substitutivo, constam no artigo 36, III. É importante destacar que o relatório posteriormente apresentado aumenta as garantias para construção de habitações sociais e inova ao trazer a iniciativa privada para tal missão. Ao todo, o coeficiente de aproveitamento é aumentado, sendo 50% para HIS-1 e 2, 25% para HMP [ Habitação de Mercado Popular] e mais 50% não computável de HIS-1 -elementos que não constavam do texto inicialmente enviado pelo Executivo. Ainda, cria-se a transferência do Direito de Construir para quem realizar HIS-1-mais um incentivo para habitações sociais.

Fica claro que o vídeo divulgado como 'vazado' na realidade foi criminosamente manipulado com a finalidade de induzir a população a erro. Portanto, informo que solicitei providências para identificar quem editou e quem está propagando o conteúdo, pois os processarei na esfera cível e penal".


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