SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma empresa de ônibus que atua no transporte público de São Paulo está convocando seus funcionários para assinar termos de compromisso que solicitam o cancelamento das inscrições deles em plataformas de aplicativos como Uber e 99. Outro pedido aos motoristas é a baixa no registro do Conduapp (Cadastro Municipal de Condutores de Aplicativo).

A justificativa apresentada no documento é a incompatibilidade do trabalho na concessionária com a prestação de serviço de transporte por aplicativos. O termo cita possíveis penalidades disciplinares em caso de descumprimento, entre elas a demissão por justa causa.

Condutores ouvidos pela Folha reclamam de que a medida da Sambaíba Transportes Urbanos prejudica seus complementos salariais com o "bico" fora do expediente. A reportagem não conseguiu contato com a empresa pelo telefone publicado em seu site.

Procurada, a SPUrbanuss (sindicato patronal) afirmou que "alguns profissionais têm obtido atestados médicos para deixar o serviço na empresa e trabalhar com transporte por aplicativo, configurando uma gravíssima infração trabalhista". Em nota, a entidade declarou que, durante o horário de trabalho, os motoristas e cobradores têm dedicação exclusiva ao serviço concedido pelo poder público.

Já a SPTrans, que gere o transporte coletivo municipal, disse que em nenhum momento enviou determinação proibindo que motoristas de ônibus trabalhem em outras plataformas fora de seu expediente.

Um funcionário com mais de uma década de empresa relatou que foi chamado por um gestor para uma conversa sobre o tema. Segundo ele, o dirigente explicou que não seria possível ao mesmo tempo manter um documento de autorização para condução de ônibus e outro para aplicativo.

O trabalhador disse que preferiu excluir o aplicativo e permanecer na viação.

Um outro condutor afirmou que foi procurado, mas se recusou a assinar o documento. No caso dele, que também já completou uma década de firma, o responsável da empresa teria afirmado que as atividades são concorrentes, o que fere o regime trabalhista.

A questão causa divergência entre os advogados trabalhistas consultados pela reportagem.

De acordo com o advogado Marcus Vinícius Lourenço Gomes, "a CLT prevê vários contratos de trabalho simultâneos desde que não sejam no mesmo horário nem que se trate de concorrência desleal". Ele acrescenta que não se pode impor a empregados a assinatura de contratos posteriores à admissão.

Já Antônio Carlos Aguiar, sócio do Peixoto & Cury Advogados, afirma que pode existir um aditamento no contrato desde que a alteração não seja prejudicial ao empregado.

Na avaliação de Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do Martins Villac Advogados, os negócios não são concorrentes. "Obviamente que a pessoa vai trabalhar fazendo Uber ou 99 no momento em que ela não estiver dirigindo ônibus. Não me parece fazer sentido."

Ele afirma que a empresa de ônibus precisaria deixar mais claro por qual motivo a atuação em transporte por aplicativos impactaria o seu negócio.

Aguiar concorda que a empresa deve colocar no papel a cláusula da CLT que justificaria o caso de demissão por justa causa. Mas diz que a viação tem razão em alertar os funcionários para o risco da dupla jornada, uma vez que a atividade de motorista envolve segurança. "Há, por lei, inclusive, descansos regulares, justamente para garantir que o motorista praticará uma direção segura", afirma.

"A empresa é responsável pelo transporte de pessoas. Se o motorista dobra o trabalho e não tem o descanso adequado, pode colocar em risco a integridade dos passageiros. Acredito que aqui esteja a condição", opina Aguiar.


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